O dia que o meu gato quis saber porque nos apaixonamos

Diego acordou de manhã e estranhou o fato de o seu gato não ter ido acordá-lo como de costume. Sem lambidas, mordidinhas nem se esconder embaixo do edredom. Passado o espanto, se levantou e foi procurar Serguei – o gato. Saiu do quarto, passou pelo corredor, olhou dentro do escritório e nada. Cozinha, nada.  Chegando à sala, encontrou Serguei sentado na mesa, olhando para ele, como se o estivesse esperando para começar uma conversa séria. Com um olhar entre o indiferente e o “senta aí que a gente precisa conversar”. Por alguns segundos Diego achou que o gato fosse falar com ele. E falou.

– Senta aí – disse o gato (sabemos que é uma frase estranha e dúbia, mas não se prenda a isso)

Diego olhou ao redor, dividido entre procurar o engraçadinho responsável por essa piada sem graça e pular pela janela. O gato pareceu impaciente.

– Olha, cara, vamos cortar essa parte do “Meu Deus, meu gato tá falando, ó”, tá bom? Eu sou um gato, tô falando e pronto.

– Mas… como? – respondeu Diego, depois de quase dez segundo de um silêncio sepulcral.

– Como? Que nem você. O ar passa pelas minhas cordas vocais, elas vibram e sai a voz.

– Não, tipo, quer dizer, como, por quê? Você foi enfeitiçado, mordido por algum bicho radioativo, que que houve?

– Não houve nada. Eu sempre soube falar. Todo gato sabe falar. Mas vocês são muito burros, então a gente fica quieto. Mas eu não aguentei.

– Não aguentou por que? Eu sou mais inteligente que as outras pessoas?

– Não, mais burro. Mas olha, vamos direto ao ponto. Eu não quero saber por que vocês destroem o planeta, por que vocês inventaram as armas nem por que vocês mantêm animais presos – até porque, nós gatos adoramos morar com vocês. Só esses cachorros idiotas que preferiam estar no mato, fazendo cocô em moita e tendo que caçar comida fria e dormir sem uma caminha quente. Mas enfim, não é nada disso.

Ainda sem acreditar muito, Diego se sentou. E, durante alguns segundos, percebeu o quão absurda era ele ter se sentado pra ter uma conversa com o seu gato, que até ontem lambia a própria bunda e caçava o próprio rabo. Mas se sentou mesmo assim. O gato deitou de lado e começou a falar, enquanto lambia as unhas, como se fosse um psicanalista em um divã. Não que psicanalistas lambam as unhas, mas pelo conjunto. Enfim.

– Então, eu só tenho uma pergunta. Eu vejo vocês fazendo um monte de bobagem, todo dia, pra lá e pra cá: é tomar banho com água, é precisar de um buraco pra fazer cocô, mas não é nada disso que eu quero perguntar. O que eu quero saber é o seguinte: por que vocês se apaixonam? Digo, não no sentido romântico, nada de borboletas no estômago, nada disso. Eu quero saber por que vocês fazem tanta questão de encontrar alguém para ficar a vida inteira só com essa pessoa?

– Meu gato tá me perguntando porque eu me apaixono…

– Deixa pra tentar entender o sentido da vida com seu psicanalista depois, responde o que eu perguntei.

– É… bom.. é meio idiota eu falar sobre isso com você…

– Quer que eu vá lá pra dentro e te telefone? Pelo telefone você ia ficar menos idiota?

– Não, não, eu falo. Eu já precisava conversar mesmo, depois dessa briga com a Mari.

– Não, não, não, não vem choramingar comigo não, só me responde, pelo amor de Deus.

– Tá… Mas então. A gente procura um amor pra dar um sentido à nossa vida. Pra ter alguém do nosso lado, pra dormir com a gente, cuidar da gente.

– Bom, eu tenho uma gata do meu lado toda vez que eu vou pra rua, e não preciso prometer amor eterno pra elas. E se for só pra cuidar, contratar uma enfermeira sai mais barato.

– Não, mas não é só isso. Tipo, ter alguém pra dividir a vida com você, entende? Alguém pra te amar, pra fazer você se sentir especial.

– Mas isso tudo você pode fazer com várias. Não precisa se prender a uma só.

– Mas ficar com uma só é prova de amor.

– Prova de amor? É só prova de idiotice, porque você poderia estar lá fora fazendo sexo com dezenas de mulheres, mas prefere ficar com uma só. Aí briga, trai, mas não desiste de ter uma só!

– Mas é que a gente se apaixona!

– Eu também me apaixono, mas vou lá, transo e volto pra casa. Pra que eu ia querer a mesma gata comigo pro resto da minha vida? Vocês são malucos!

– Malucos não, Serguei. Cara, eu acabei de falar o nome do meu gato pra ele mesmo…

– Achei que a gente já tinha passado dessa fase “ai meu Deus, meu gato tá falando”.

– É meio difícil superar isso, né. Mas então, não questão de ser maluco. É que quando a gente se apaixona, a gente quer aquela pessoa pra sempre.

– Mas vocês QUEREM se apaixonar. Você PROCURAM se apaixonar. Se eu fosse humano, eu ia procurar é a cura pro amor. Imagina, ia fugir disso mais que do vírus Ebola.

– Mas se apaixonar é bom. É bom saber que tem alguém que se preocupa com você. Só com você. Ela não se preocupa com qualquer gato que vai lá transar com ela. Ela se preocupa só com você. Ela quer o seu bem.

– Hmmm…

– Ela te acalma. Não é só companhia e sexo. Quando você tá apaixonado, estar com a outra pessoa te faz bem, te acalma. Você tá cheio de trabalho, cheio de preocupação, e ela te acalma, te mima, te faz cafuné.

– Eu ia falar que você faz cafuné, mas ia ficar meio gay.

– Ia mesmo. Mas a sensação de ouvir a outra pessoa falando que te ama, que quer ficar com você pra sempre, é a melhor sensação do mundo.

– Melhor do que correr atrás do feixe de luz da canetinha lazer?

– Muito melhor, cara!

– Nossa… Mas por que não dá pra ter isso tudo com várias?

– Porque com uma só, seus pensamentos, seu desejo, é tudo só pra ela. E tudo dela, só pra você. Você sabe que vai ter com quem contar quando precisar, que não vai ser esquecido se chegar lá e outro gato tiver chegado primeiro.

– Faz sentido.

– Entende? Essa sensação de alguém que não consegue viver sem você, que te ama tanto e deseja estar com você o tempo todo. Essa sensação vale muito mais do que sair por aí fazendo sexo loucamente com várias mulheres. Ou várias gatas.

– Não exagera.

– Tá, vale tanto quanto. Talvez não mais. Mas é por isso que a gente se apaixona, por isso que a gente busca o amor.

– É, deve ser legal mesmo…

E Serguei se deita fitando o infinito, pensativo.

– Que foi? Ficou triste? Quer que eu arrume uma fêmea pra você se apaixonar também?

– Tá maluco? Tava aqui pensando se agora que você sabe que eu falo, se você vai achar gay me abraçar, me botar no colo e me fazer cafuné, sabendo que eu tenho voz de homem.

– Vou.

– Ah… Então é melhor arrumar uma namorada pra você que venha me visitar, porque se eu ficar sem colo e cafuné eu acabo com as cortinas e com o sofá.

Diego olha para o sofá, olha para as cortinas…

– Loira ou morena?

– Peituda.

– Fechado. Mas não se enrosca mais nos meus pés quando eu tiver dormindo, e principalmente não fala nada quando eu não estiver vendo você.

– Combinado.

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