O espetáculo que é ver o seu amor dormindo

E os primeiros raios de luz do dia que entram pelas frestas da janela de madeira já não incomodam quando você está ao lado. Porque é você quem está ao lado. Você, que geralmente dorme à minha esquerda, hemisfério corporal onde, dizem os especialistas, mora o coração. E então, por um momento, tudo parece fazer sentido. Foi essa a sua mandinga pra entrar no meu coração e pra, de quebra, tomar conta da minha cabeça e transbordar a minha vida. Não adianta negar. Foi essa a tática infalível pra que eu abrisse a porta da minha casa, o fecho do meu sutiã e incontáveis sorrisos de mais de oito graus na escala Richter.

Te olho dormindo. De bruços, os braços estendidos para cima e o rosto levemente virado para o lado. A respiração calma e silenciosa, como se você descansasse numa daquelas paisagens bonitas que a gente só vê em filme. As costas discretamente torneadas, como se cada músculo não fosse fruto de mais do que um esforço cotidiano. A boca perfeitamente cerrada, como se aqueles lábios grudados guardassem o segredo da criação do mundo. E é inevitável eu me perguntar como cabe tanta beleza num corpo tão pequeno. Tão compacto, tão discreto, tão sutil. Tão branquinho. Tão diferente do meu, todo desenhado e que nunca entendeu direito aquele tal de “menos é mais”. Tão menos e que consegue ser tão mais. Você, meu amor, saiu de uma pintura renascentista. Só pode ser isso. Você fugiu do teto da capela Cistina direto para os meus lençóis. Ciao, Michelangelo.

Porque aqui a vida é mais feliz. Tem travesseiro macio, embora você o dispense todas as noites. Tem cobertor, embora o meu calor lhe seja mais convidativo. E tem o meu corpo quente – ah, esse você não troca por nada. Só por uns minutinhos de sono a mais quando é ainda dia de semana. E sabe que eu até gosto? Porque nada me recompõe tão bem quanto saber que você está em paz. Que nenhum pesadelo feriu sua madrugada. Que os monstros que, um dia, talvez, tenham dormido embaixo da sua cama, foram embora pra nunca mais. Que o universo conspira a favor de nós. E que eu passaria noites inteiras velando o seu sono.

Eu, então, me aproximo para deixar um beijo no seu rosto inerte. E é inevitável não sentir o seu cheirinho doce. Um cheiro meio de flor, meio de fruta. Um cheiro que os franceses procuram até hoje – em vão – pra confeccionar a fragrância mais esperada de todos os tempos. Um cheiro de pecado que só se cala no meu pH ácido. E eu me pergunto como você acorda sem o característico bafo matinal de quase 100% dos seres humanos. Você diz, quando acordado, que é impressão minha. Que é loucura eu cheirar o seu corpo todo depois de longas doze horas de sono. Que é porque o cheiro do cigarro foi embora enquanto você dormia. É, até faz sentido. Mas eu ainda prefiro acreditar que o universo reservou o melhor cheirinho da perfumaria divina pra você. Ou melhor, pra mim.

Pra eu cheirar. Pra eu lamber. Pra eu beijar. E aí você se arrepia. E sorri. E me beija de volta, mesmo dormindo. E eu fico pensando que nunca, jamé, nem never more eu conseguiria ser rude ou pouco doce na hora de te resgatar das profundezas do seu sono, que é sempre justo e bonito. Assim como você. E quando aquele raio de sol do meio-dia queima a sua retina por através das suas pálpebras, eu morro um pouquinho. Pra quê acabar com um dos espetáculos mais bonitos do planeta Terra, caro sol? Mas renasço ainda mais feliz assim que você me lança aquele primeiro olhar do dia, seguido de um sorriso, de uma carícia quase que infantil e de um preguiçoso beijo na boca, me chamando pra uma sacanagenzinha matinal e anunciando que, independentemente do que o Climatempo disser, o dia de hoje será mais bonito. Só porque você acordou ao meu lado.

Não sei pra vocês, meus amigos. Mas paz, pra mim, é isso.

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