O poema e o tapa
te vem um poema às duas da manhã e você leva quase uma hora pra perceber que não vai conseguir dormir enquanto não escrevê-lo.
“não, não! amanhã me lembro dele, agora só quero fechar a porcaria dos meus olhos”.
mas poucas coisas no mundo são tão insistentes quanto um poema. então tua cabeça começa a ferver e não te resta outra saída, a não ser se render à porra da escrita.
vão perdoando os palavrões, é que amanhã acordo cedo.
tô puto da vida que não consigo ter sono e nem lembro mais o teor do que tava gritando em minha cabeça. lembro apenas que queria muito transar antes de dormir essa noite.
fui beijando liz com mais intensidade e ela parou o beijo quando viu que eu não queria dormir coisa nenhuma.
me deu boa noite e um beijo sem graça no rosto. encostou a bochecha dela na minha e eu achei aquilo sincero demais, o suficiente pra desistir de mantê-la acordada contra sua vontade.
ela não tem poema na cabeça pra lhe tirar o sono, nem uma mente suja pra caralho feito a minha.
isso de escrever e pensar em sexo é mesmo aterrorizante nas madrugadas.
então acabei decidindo apenas abraçá-la e sentir o perfume de sua nuca.
o que veio em seguida foi um tapa, porque, às vezes, quando ela tá dormindo pesado, não gosta que eu encoste.
tô me sentindo um velho safado, mas sou só um rapaz metido a poeta com uma barba rala e um chapéu na cabeça, sendo reprimido pela namorada na madrugada de um apartamento na avenida brasil.
mas isso não faz de mim um sujeito menos safado.
bom, agora liz acordou e reclamou dessa minha inquietude. pediu pra que a abraçasse e eu disse que já tinha feito isso e apanhado, mas ela sequer ouviu. tinha dormido de novo. só que a abracei mesmo assim. e novamente levei um tapa.
então continuei escrevendo.
depois de um tempo ela passou a perna por sobre a minha e me deu um beijo, mas tenho certeza que fizera tudo isso sonhando. fiquei um tempo admirando aquela respiração tranquila, mesmo que, no fundo, o desejo maior fosse que ela estivesse ofegante entre um gemido e outro.
mas minha safadeza não faz de mim um sujeito menos romântico.
desenhei um cubo torto na testa dela com um hidrocor. depois sorri pela alegria contida nas noites de insônia ao lado daquela mulher.
chega a ser proposital (a insônia).
e antes de dormir ela me lembrou do quanto era difícil construir algo como o que nós construímos.
eu sorri, porque, na verdade, nunca tinha tentado construir nada com ninguém, então não sabia se era difícil ou não.
notei que ela acordara de novo e aproveitei pra lhe dizer que a amava.
ela disse “me abraça”.
eu a abracei pela milésima vez.
e, pela milésima vez, levei um tapa.
abri um livro pra ler enquanto pensava na incrível capacidade que ela tinha de ser dona de si.
estava quase amanhecendo quando decidi tomar um banho quente.
antes de me levantar pro banheiro eu ouvi “por que que você tá acordado ainda, rodrigo?” ela disse por último e colocou minha mão em seus seios desnudos.
aquilo foi demais pra mim, porque, porra, eu amo aqueles seios. sou doente por eles!
minha mente ecoava um “não aperte, não aperte, não aperte!”
sinceramente, eu deveria ter apertado
pois, mesmo assim, o que ganhei em seguida foi um belo de um tapa.
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