A bunda dura e o amor

Aproveitava despretensiosamente no frio de inverno sentada num banco no centro da cidade, quando vi uma cena, no mínimo, curiosa. Sabe quando passa alguém que chama tanto a atenção (pelos cabelos, pela bunda, pelo jeito, pelo barulho) que as cabeças se viram para acompanhar aquele andar? Como se fosse uma ôla num campo de futebol, vi rostos com cara de espanto, seguidos de expressões de felicidade.

Eram idosos, com a pele branquinha, óculos grandes e casacos de crochê. Pequenininhos, daquele jeito que todo senhor ou senhora fica quando a idade chega. Estavam com as mãos enrugadas coladas uma na outra, a aparência tranquila e um quase sorriso constante no rosto. Pareciam estar felizes por fazer aquilo que fazemos todos os dias sem nos dar conta: andando de mãos dadas na rua. Poderia ser mulher gostosa desfilando de calcinha, mas o que chamou a atenção de todo mundo que passou foi só o amor.

Eu olhei o casal de mãos dadas e sorri. Sorri, mesmo, com a sinceridade que não aparece numa selfie. Um sorriso meio torto e meio feio, mas que se torna inteiro quando é por um bom motivo. De repente eu olhei em volta e todos sorriam. Mas, ao contrário do riso que vem com uma bunda à mostra desfilando pelas ruas, era um sorriso leve.

Naquele dia, compartilhei com desconhecidos, o desejo de ter um amor que não exista pelo salto alto, pela bunda durinha ou pelo cabelo exorbitante – já que eles, uma hora, deixam de existir.

Sei que quem sorriu vendo o casal atravessando a rua – e até mesmo os motoristas dos carros, que esperaram os dois atravessarem porque o tempo do semáforo era insuficiente para as passadas curtinhas – quer amor dos chinelos de pano para os pés inchados, do tricô e das boas lembranças.

Ninguém precisou falar nada. Mas a onda de sorrisos trocados que aquele casal gerou foi tão surreal, que eles bem que poderiam não existir de verdade e sumir quando chegassem na esquina.

Eles podem não saber, os velhinhos. Mas cumpriram uma importante missão: fizeram com que o amor chamasse tanta atenção quanto uma gostosa com a bunda a mostra.

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