O que sua turma diz sobre você?
Acho o conceito de amizade interessante, até por isso, já devo ter ultrapassado toda a cota de linhas sobre o tema. Mas nunca tinha abordado o conceito maior disso, que compreende a junção da junção entre pessoas que se gostam, ou não: as nossas turmas, nossos agrupamentos – ou fingimentos. Fingimentos porque em diversas vezes na vida, por mais que estejamos cercados de calor humano, a solidão fala conosco por dentro, precisamos cultivar núcleos que se aproximem da ideia de família ou agrupamento seguro para enganar esse sentimento.
Você já deve ter reparado que desempenha um papel em cada grupo, e ele pode ser diferente em cada um deles. Uma coach certa vez me disse algo sobre todo grupo ter papéis inalteráveis, se você sai dele, alguém vai assumir esse papel ou mais de um papel. É como uma peça de Lego que tem um molde, mas que ao ser tirada pode ser substituída por outro molde igual, mesmo que a cor mude. O bonzinho, o conselheiro, o preconceituoso, o pessimista, o carente, o melancólico, o líder, o eficiente, o cheio da grana, o que nunca pode, o que joga bem todos os esportes, o nerd, o romântico. Quais dessas lacunas você preenche?
Tenho também a teoria do “hub”. Hub no mundo das viagens é um destino/cidade que se multiplica em outros destinos, um ponto de parada convencionado e estratégico que por algum motivo concentra conexões entre diversos voos. Acho que no mundo dos grupos, existe uma pessoa com essa designação multiportas. Vamos chamá-la de Gabriela. A Gabriela geralmente é a mestre de cerimônias da turma, a que geralmente toma a iniciativa de marcar os encontros, e geralmente a única que tem uma relação sólida com cada membro desse agrupamento. Isso faz com que o resto do grupo nunca se encontre caso Gabriela não esteja. Porque a Gabriela faz o papel do hub, a pessoa que viabiliza a conexão entre as outras partes, que não deixa o assunto acabar, é como um epicentro afetivo que não funciona necessariamente como um protagonista, mas como um elemento de mediação quase que obrigatório, “sem a Gabriela não tem graça”.
Outra coisa que percebi ao longo das minhas turmas é que todas elas possuem pontas soltas. Pessoas que não se relacionariam caso não estivessem dentro do mesmo grupo, mas que se chamam de amigas, às vezes sem terem a menor afinidade. São chamadas de ”frenemies”, um termo em inglês que mistura o conceito de amigo com inimigo em uma mesma expressão. São pessoas que muitas vezes fingem pra si mesmas que suportam uma outra, que dão uma economizada no like mesmo quando gostam do que sua frenemie escreveu, ou que por alguma sina astral acabam sempre se interessando pelo mesmo crush, e muitas vezes travam uma competição silenciosa que não pode ficar explicita para que o grupo não se divida. Se você já assistiu ao filme “As vantagens de ser invisível” provavelmente vai se lembrar das personagens de Sam (Emma Watson) e de Mary Elisabeth (Mae Whitman), elas representam um bom exemplo de frenemies.
Fazer parte de uma turma é uma das maiores antenas para as nossas contradições. A gente pode ter mil teorias sobre respeito alheio, sermos pessoas de “cabeça aberta”, mas em grupo, toda a nossa amplitude sobre o mundo acaba se estreitando por uma questão de negociação. Quantas vezes você não se sentiu “atuando” ou se segurando em um assunto polêmico para não causar conflitos. Quantas vezes você deixa de dizer algo que pensa e grita aos 7 cantos da sua timeline porque naquele grupo as coisas não funcionam como você gostaria. Quantas vezes você se sente boiando naquele chat de Whatsapp que buzina o dia todo o seu celular, e que você ainda não saiu pra não se indispor com as pessoas. Ou aquele plano de deixar de vez o Facebook, mas adiar o “suicídio virtual” por medo de ser esquecido.
Dessa necessidade de afirmação em turmas, muitos membros desempenham papéis decorativos que validam as gracinhas dos tiradores de sarro. O preço disso é quase o de um crime em que somos cúmplices por puro medo de sermos as vítimas. Mas, o que a sua turma diz sobre você? Diz muito sobre a sua integridade. Integridade é essa fronteira entre o que você diz e o que você faz. Diz muito sobre como você se acovarda por medo de rejeição quando no fundo, gostaria de mudar o olhar do todo. As turmas costumam ter dois tipos de liderança. O líder tóxico que nutre uma rede de obediência por ser temido pelos demais, e o líder carismático, aquele que de tão querido ou admirado, acaba sendo um modelo de inspiração a ser seguido. O mais interessante disso, é que o líder geralmente não se auto-proclama líder, existe um entendimento implícito sobre isso, hierarquias invisíveis.
A boa notícia é que ao longo dos anos, quanto mais amadurecemos e conquistamos autonomia, mais podemos escolher com quem queremos lidar. E acreditem: isso diz muito sobre quem você é naquele momento. Foque numa diferença sutil entre duas turmas que você já teve, como por exemplo, turmas em que todos sem exceção se cumprimentam com beijo no rosto, e aquelas em que existe a divisão entre o aperto de mão e o beijinho. Isso por si só já diz muito sobre como aquele grupo pensa e se relaciona.
Para ser da turma, eu um dia aprendi a jogar futebol e até hoje não esqueci. Para ser da turma eu já dei risada de algo que eu não achava graça. Para ser da turma eu já disse que tinha visto um filme sem de fato tê-lo assistido. É também por isso que da porta de casa pra dentro estamos mais próximos do nosso humor real. Em casa, a turma já te conhece, você não precisa dar beijinho de bom dia quando não quer. Mas em casa você pode também ser acusado de ser um fingidor da porta pra fora, e isso num deixa de ser verdade, já que por uma questão de lei de sobrevivência, já dizia o poeta: “somos todos fingidores”.
E na hora de misturar turmas, como você se comporta? Eu, por exemplo, tenho bastante preguiça de fazer sala, levantar temas para que amigos que não se conhecem se enturmem. Então eu geralmente misturo turmas que de certa forma se autogerem para estabelecer conexões. Ao longo dos anos, a gente vai precisando de menos gente, e escolhe ter menos turmas, ou apenas uma, lembrando que da pra manter contatos isolados com membros de turmas que não mais existem. A única turma que cultivo hoje em dia, é constituída de pessoas completamente diferentes entre si, mas que sabem conviver com isso e acima de tudo, são pessoas que eu tenho liberdade de dizer “não”. Esse tema me lembrou de um livro de Fernando Sabino chamado “Encontro marcado” sobre um grupo de amigos de infância que vivem diversas situações juntos e em um determinado momento firmam um compromisso de se encontrarem vinte anos depois. A graça e a tristeza é justamente saber se no fim, esse encontro acontece ou não.
“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”
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