Ontem eu quase morri, mas essa não foi nem de longe a minha maior surpresa do dia

por Léo Luz

Ontem eu quase morri, mas isso não foi nem de longe meu maior susto. Não é figura de linguagem, nem eufemismo, nem ironia, eu quase morri mesmo. Bati de frente com um caminhão a 60 km/h. Você leu certo. Bati de frente, caminhão, 60km/h. Não sofri um mero arranhão. Físico, porque psicologicamente eu me caguei. Você só sabe o cagaço que dá ver um caminhão vindo na sua direção quando você passa por isso. Meu carro se desgovernou e beijei um caminhão bem na boca, na contramão. A lataria do caminhão passou a 30 centímetros da minha cara, e a porta do meu carro, amassada, rasgou o capuz do casaco que eu estava como uma faca. O capuz estava há dez centímetros do meu pescoço. Juro que fiquei cinco minutos me certificando de que eu não tinha nada quebrado nem nenhum pedaço de ferro enfiado no peito

Enfim, bati de frente com um caminhão. Quando dei por mim, eu estava dentro do carro destruído. Primeiro pensamento? Arrombar a porta que estava travada. Soquei, chutei, bati, até que percebi que a porta do carona estava destrancada e aberta… E então saí por lá. Saindo do carro, meu segundo susto do dia. Saí do meu carro  e um cara de um outro carro que vinha atrás de mim me olhou e falou: “O motorista desse carro sobreviveu?”. No que respondi: “Acho que sim, o motorista do carro era eu, e eu acho que eu tô bem”. Ele respondeu, calmamente: “Graças a Deus, garoto. Vou orar por você, tudo de bom”, e foi embora, assim.

Vejam bem: ele não me deu o endereço da igreja dele para eu ir lá; ele não pediu que eu rezasse; ele não me falou que Deus me salvou; ele não tentou me levar pra igreja dele. Ele simplesmente disse que ia orar pro cara cujo pedaço de carro quebrou o vidro dele, e que o atrasou em pelo menos meia hora. Simples assim.

Burocracias resolvidas, todos estão bem, meu seguro resolveu tudo. Tínhamos outro problema: o caminhão estava completamente atolado num lamaçal pra onde fora arremessado com o impacto. Olhando de fora parecia que nem o Hulk conseguiria tirá-lo de lá. Pensamos, cavamos, capinamos, quebramos galhos e nada, atolado ainda. Mas eis que aconteceu algo que foi a minha terceira grande surpresa do dia: um carro parou na contramão e ficou olhando. Deu a volta, parou e os dois caras ficaram olhando, olhando, até que perguntaram se precisávamos de ajuda. Claro, mas não estávamos tentando desatolar uma moto ou um Corsa: era um caminhão de umas 5 toneladas. Claro que falamos que sim.

Resultado: os dois caras chamaram um amigo que tinha um reboque e, durante TRÊS HORAS, nos ajudaram a desatolar o caminhão. E quando fui perguntar quanto era, os caras se ofenderam, e falaram que estavam ajudando, não trabalhando. Essa surpresa foi maior do que a de quase ter morrido. Ainda existe gente boa no mundo, ao contrário do que eu pensava. O cara que falou que ia orar por mim, esses dois sujeitos, nenhum deles me devia nada e não tinham a menor obrigação de parar a vida deles pra me ajudar ou para me confortar – mesmo que fosse com uma simples promessa de oração.

Eles perderam horas de trabalho para chafurdar na lama com três estranhos desatolando um caminhão envolvido em um acidente no qual eles não tiveram nenhuma participação. E se ofereceram não fomos nós que pedimos. Como disse o sujeito quando eu me ofereci para pagar: “A gente passou e viu vocês agarrados, não íamos deixar dois amigos na mão assim”. Não éramos amigos, nem sequer conhecidos. E eles não aceitaram nem que eu pagasse o almoço deles. E pra aumentar o meu espanto, ainda me deram carona até a minha casa, a 18 quilômetros do local do acidente. De graça, só porque, segundo um deles, “tu já quase morreu, acabou com o carro, não vai pra casa de ônibus”.

Enfim, eu quase morri, mas o que mais me surpreendeu foi eu ter descoberto que ainda existe gente boa no mundo, ao contrário do que as pessoas tentam nos provar diariamente. Se fosse eu no lugar deles, eu pararia? Não sei, sendo bem sincero. Mas a partir de hoje, eu não tenho a menor dúvida de que eu pararia. Pessoas quase morrem todos os dias, mas descobrir que o mundo não é um lugar tão ruim quanto a gente pensava não é algo tão corriqueiro.

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