Para não fugir do clichê

Depois de uma resistência estúpida, cedi em andar com um caderninho a tiracolo. o caderninho que uma amiga me trouxe de viagem, com Frida na capa, uma caneta e post-its acoplados. Que pessoa com mania de anotar tudo não é viciada em post-its e canetas acopladas? claramente um daqueles presentes dos quais é impossível não gostar. (ela me trouxe isso, suponho, porque reparou que eu anotava tudo nos azulejos da cozinha, em letras garrafais, com pilotos coloridos).

E agora nenhum detalhe passa despercebido pelo meu caderninho com Frida na capa e caneta e post-its acoplados. tudo o que me toca tem um lugar reservado no caderninho: da empatia simplória e piedosa que sinto quando alguém tenta parar um ônibus e ele passa direto à cantiga de um vendedor de taboca que me leva direto para a minha infância no Parque das Laranjeiras.

Vi uma moça passar por mim, pulando uma poça de chuva imensa , e saquei o caderninho da minha bolsa pela terceira vez naquele dia, mesmo sem saber exatamente o que escreveria sobre ela (escrevo sobre as pessoas mesmo quando elas não me dão a menor confiança). Ela era bonita e tinha uma expressão qualquer de autenticidade, um oasis no deserto do comum. eu ainda estava atônita, com um caderninho na mão, quando ela passou um pouco mais perto e eu pude ler as tatuagens nos seus braços:

“fé” “amor” “mãe <3” “vó <3”

No ombro esquerdo, outro clichê absoluto arrematava: “believe”

Tudo com letras muito bordadas e em itálico. que coisa clichê, pensei, esquecendo que tenho uma frase de Simone de Beavouir tatuada em espiral no ombro em letras muito bordadas e em itálico (é quase um tutorial sobre como ser uma feminista clichê).

Todo mundo é meio clichê e tentar não ser clichê é ser ainda mais clichê que todo mundo. até dizer isso é clichê, aliás. só não é mais clichê do que uma cronista que anda com um caderninho a tiracolo para anotar insigths cotidianos.

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