Pensando em que?

Durante um almoço de trabalho:

– Tá pensando em que, Fred?
– Nada não.
– Fala aí, cara, tá todo bolado, olhando pro nada.
– Nada não, deixa pra lá.
– Pode falar, pô, tá pensando em que aí todo distraído?

– Ah, tava pensando aqui na fugacidade da vida e na inevitabilidade da morte, não enquanto fim da vida física, do corpo, mas enquanto inexistência da consciência, enquanto fim do conjunto de experiências que nos torna humanos. O corpo apodrece, some, vira comida de verme, se mistura com a terra e ajuda a crescer o alimento para as gerações futuras – até que elas também sucumbam à essa visita inexorável e sempre indesejada que é a morte. Mas a alma, o que acontece com a alma? Para onde ela vai? Para onde vai o amor do sujeito pela Ticiane? Se esvai? Se divide entre as outras pessoas que também a amavam? Para onde vai todo o nosso conhecimento, nossas lembranças, nossa memória daquele Carnaval em Iguaba onde tivemos contato pela primeira vez com os prazeres da carne, atrás do trailer que vendia cachorro-quente na pracinha? Pra onde vai isso tudo? E os nossos planos, nossas ambições, eles são interrompidos para sempre, como um pássaro abatido em pleno vôo enquanto voava em direção à sua fêmea no cio? Como uma cusparada certeira que vai em direção ao seu alvo e é repentinamente levada por uma corrente de vento? O que acontece? Se você parar para pensar, tudo é uma ilusão, tudo é uma grande jornada em direção a um precipício, e tudo o que conseguimos e tudo pelo qual lutamos durante o caminho, no final tudo é inútil e vai ser perdido mais hora menos hora. Conquistar a sua colega de faculdade ou fazer aquela tatuagem não fazem a menor diferença, porque tudo pode acabar minutos depois de ela topar ir ver o filme novo do Chuck Norris com você, ou segundos após você acabar de tatuar aquela frase bacana do Lair Ribeiro. Nada faz sentido. Não tem porque acordar de manhã todo dia para trabalhar e comprar sua casa de praia em Niterói se tudo vai acabar, e, acredite, vai acabar bem antes do que você imagina e desejaria que acabasse. Então nada faz sentido. Por que eu vou comer uma sobremesa se eu posso morrer atropelado ali na porta? Para que eu vou ler um livro se quando eu morrer isso não vai me servir de nada? É tudo absolutamente sem sentido. A morte torna a vida sem sentido, mas, paradoxalmente, é a morte o que nos faz ter mais vontade de viver. Era nisso que eu tava pensando.]

– Hhhmmm… Duzentas pratas te ajuda?
– Opa, claro!

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