Por que você deveria ver Garota Exemplar antes de se casar
Não me levem a mal. Eu acho que o casamento enquanto ato simbólico é algo bonito e na prática cotidiana também, mas quando rola maturidade entre o casal. É um festejo ou apenas uma união, uma troca de promessas, em que duas pessoas vão compartilhar uma vida juntos. Ao mesmo tempo acho que ele em algum momento pode se transformar em um elefante branco. Um estádio de futebol pós-separação – ou Copa.
No meticuloso filme “Garota exemplar” que acaba de entrar em cartaz nos cinemas, o diretor David Fincher aborda o desaparecimento de uma mulher, no dia em que ela e seu esposo deveriam estar comemorando 5 anos de casados. A gente pensa que o filme é rodeado desse suspense sobre o que ou como a protagonista desapareceu, mas ele tem mais camadas em seu recheio. Ele fala de apodrecimentos, do lado perecível das relações, do que não podemos prever, daquele estranhamento que acontece em relação ao outro, sem querer, num piscar de olhos. Tentarei não contar o desenrolar do filme, mas ao mesmo tempo quero tocar em um ponto de extrema importância relacionado à sua estrutura: o desmoronamento silencioso das relações.
Às vezes vejo o casamento – nem todos – como uma festa a fantasia que se prolongou. É muito divertido o tempo de véspera, os preparativos, imaginar como vai ser, sentir a barriga gelar, reproduzir em pensamento o que os romances fictícios nos contam. A fantasia é na verdade uma metáfora. Quando digo fantasia me refiro ao personagem que vestimos para agradar e até mesmo convencer a outra pessoa de que você realmente é a metade certa. Que você reúne qualidades compatíveis com essa ou aquela expectativa. Aquele kit de bom-mocismo que a gente geralmente forja no começo de uma relação, por pura insegurança. Os sonhos se retroalimentam como um acordo, eu cedo, você cede, nós cedemos. Esse tipo de acordo compreende trocas que precisam parecer justas. Depois de um tempo, após a novidade passar, quando a convivência já se estabeleceu, a fantasia começa a perder um pouco a afetação, é como se a festa tivesse ido até a alvorada e a ressaca começasse a dar sinais incômodos. A brincadeira de se fantasiar começa a ficar cansativa, já não tem mais a graça de antes e dá preguiça de colocar a fantasia na máquina de lavar. Você transpira e está sufocado e quer apenas trocar de roupa sem desagradar, sem talvez quebrar aquele encanto, aquela euforia de antes. Você quer na verdade tirar outro tipo de fantasia, que começou a ficar desconfortável, e talvez nessa hora, para alguns casais seja tarde demais.
Não acho que todo casamento está fadado a isso, mas vejo muita gente por aí casando porque acha que está na idade clichê “limite”, ou porque é um sonho da mãe, ou pelo motivo mais comum: estar em par para não ficar sozinho. Muitas vezes sonhamos tanto com essa vida propagandeada pelos comerciais que estampam casais alegres, modernos e sorridentes que queremos reproduzir esse filme. Construímos uma realidade fictícia e vamos mobiliando cada canto dessa produção com nossas expectativas, mas para isso é preciso um ator ou atriz que compre essa ideia e não necessariamente retribua o seu sentimento. Que ocupe esse espaço livre e carente de preenchimento.
Às vezes a gente não se apaixona por alguém, a gente se apaixona por uma ideia do que é esse alguém em nossas expectativas. Às vezes a gente está apenas apaixonado por um sonho, e só quer alguém que te acompanhe nessa empreitada. E tem os que conseguem lidar com as fases mornas e eu admiro e tiro o chapéu pra quem sabe como administrar a relação de um jeito saudável e maduro nessas tempestades. Isso depende de tanta coisa, que talvez seja algo quase que impossível de se prever, de se antecipar. É no fim das contas uma aposta arriscada, mas que tem prazer junto. Em “garota exemplar” obviamente que de forma trágica e até exagerada, nos deparamos com a morte matrimonial. Com aquele momento em que alguém se dá conta de que o casamento foi uma armadilha dos sonhos, das distorções, dos excessos. E é aí que o filme torna-se não um conselho negativo, mas um alerta sobre as algemas imprevistas das quais podemos nos aprisionar mais a frente. Portanto, casem sim, mas pensem bem antes.
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