Quão responsável é você pelo sentimento do outro?
Das coisas que mais tenho escutado reclamações nos últimos tempos, a tal da falta de reciprocidade ganha em disparada.
Não sei dizer se é um problema exclusivo da minha geração. Ou posso apenas ter me mantido alheia a isso todo esse tempo. Mas a verdade é que acordei para o assunto e a pergunta que não sai da minha cabeça é: somos nós responsáveis pelos sentimentos do outro? A conclusão a que cheguei após tantas conversas com amigos e, infelizmente, por minha própria experiência, é que sim. Nós temos uma parcela de responsabilidade pelo sentimento que despertamos no outro. Lembra daquela frase clichê de O Pequeno Príncipe? Então lá vai ela mais uma vez: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
“Mas nós não temos nada”
“Somos apenas amigos”
“Ainda não estou pronto(a) para um relacionamento”
Já parou para pensar quantas vezes viu alguém sofrer por ter escutado alguma dessas frases? São muitas vezes mesquinhas de se serem ditas. Nem sempre, é claro. Entendo que às vezes elas podem sim fazer sentido em um contexto. Somos seres totalmente livres para sentir o que queremos sentir. Contudo, elas perdem um pouco da razão quando não há o cuidado e zelo necessário com aquele sentimento que você deixou despertar no outro; quando você não se deu ao trabalho de esclarecer os seus limites naquele relacionamento.
E posso te explicar o por quê. A partir do momento que você fica com uma pessoa e passa a dedicar e demandar dela tempo para uma conversa diária, vocês têm sim alguma coisa. Se vocês se encontram todas as semanas, fazem programinhas de casal e até conhecem amigos e família um do outro, lamento dizer, mas novamente vocês têm sim alguma coisa. Se vocês compartilham com o outro os sonhos de cada um, fazem planos imediatos e pedem conselhos sobre como deixar a vida um pouquinho mais leve, vocês têm alguma coisa. E quanta coisa, cara!
Não é um namoro, mas também não venha me dizer que os meses/anos que dediquei a você foram apenas de amizade. As pessoas têm essa mania de minimizar em amizade o namoro-que-não-é-namoro-mas-é-quase-um-namoro. Deixa eu te contar uma coisa, amizade não é prêmio de consolação. Amigos eu já tenho, muito obrigada! Com você eu quero a amizade e mais um pouco. Com você eu tenho um quase que está sendo construído a dois (ou pelo menos deveria) para que um dia se torne algo. Ou talvez não se torne nada, desde que isso seja maduramente acordado entre nós e não termine reduzido a nada.
Vale pensar que os pequenos detalhes que você vive com uma pessoa representa uma dosezinha de água que usamos para regar aquela semente que surgiu depois do primeiro beijo ou transa. E nós nos apaixonamos justamente por eles. Não são as grandes declarações de amor que você poderia me escrever em uma rede social. Não, nada disso. É o bom dia/boa noite que se recebe todos os dias; são as palavras carinhosas trocadas; é o jantar que você cozinhou mesmo não entendendo nada de culinária. É o saber que o outro prefere sorvete a chocolate ou que a música alta das baladas é bem menos interessante do que o trio sofá-conchinha-Netflix. É o convite durante a semana para um cinema, é o abraço que passa a fazer falta, as manias que roubamos do outro, o perfume que marca as nossas roupas depois de tanto tempo passado juntos. É o olhar cumplice que aprendeu a decifrar os pensamentos do outro. São detalhes tão pequenos que nem percebemos quando aquela mensagem inesperada no meio do dia torna-se a responsável pelo nosso mais sincero sorriso.
Então, se você não pretende retribuir nada disso, opte pela sinceridade desde o início. Diga em alto e bom som que não é capaz de retribuir um sentimento tão profundo. Eu sei, é muitas vezes difícil dizer não, mas o melhor sempre vai ser abrir o jogo. Diga que a outra pessoa pode não ser a única, diga que ser solteiro está bom demais para deixar de ser, diga que ainda nutre sentimentos por alguém que passou pela sua vida, diga qualquer coisa… mas que seja o real motivo. Prepare a outra pessoa para o que virá pela frente. Não deixe que todos aqueles pequenos detalhes despertem um sentimento que você sabe que não será recíproco. Não seja desleal ao ponto de manter alguém que te ama por perto apenas pelo prazer, não peça que essa pessoa passe a sentir menos para que as coisas sejam mais cômodas.
O mínimo que você precisa fazer quando uma ficada torna-se mais do que apenas uma ficada casual é respeitar a ligação afetiva que passou a existir entre vocês. Tenho certeza que ela é uma pessoa que te faz muito bem, caso contrário não estaria perdendo seu tempo. Então todas aquelas frases não passam de desculpas de alguém que não tem maturidade para lidar com os próprios sentimentos e, principalmente, com o dos outros. Não queria que uma pessoa profunda navegue nas suas águas rasas.
Em sentimento ninguém manda, mas você é responsável por aquilo que desperta.
Eu discordo que somos responsáveis por sentimentos de outras pessoas. É óbvio que devemos tratar todos da melhor maneira possível, mas sentimentos são propriedades e portanto, responsabilidade da pessoa que os sente. Não causamos sentimentos uns nos outros, eles surgem em nós mesmos, são criados por nós mesmos, a partir da nossa interpretação de algo, das expectativas que criamos. Concordo que transparência deveria ser usada sempre, mas também não adianta querer que apenas a outra pessoa deixe claro o que quer da relação. Se existe dúvida, a pessoa com dúvida deve também buscar esclarecimento sobre aonde os dois se encontram nesse relacionamento.
Todos esses programas e interações que você julga como “de casal”, não é visto da mesma forma por todo mundo. Depende da visão de mundo de cada um. Então você não pode afirmar que, se uma pessoa faz isso tudo com outra, ela ta dando a entender que quer um namoro. Mesmo que a outra pessoa entenda dessa forma, isso foi expectativa dessa outra pessoa e ai é inteligente ela confirmar se é isso mesmo em vez de apenas querer que a outra torne isso claro. Isso é basicamente tornar a outra pessoa responsável por tudo, tirando a responsabilidade de você e jogando tudo pro outro. Isso tira o empoderamento de qualquer pessoa, quando ela fica a mercê do outro.
E também discordo sobre essa hierarquia: “minimizar em amizade”? Quer dizer então que amizade tem menos valor que um namoro? Por que?