Que me perdoem os sucintos, mas adoro ser detalhista
Outro dia meu namorado disse que eu sou detalhista. Assim, meio do nada. É que ele me ligou, acho que era uma terça-feira à noite. Dia em que ele, geralmente, calça as chuteiras, veste o calção e joga uma partida de futebol com uns brothers. E eu, geralmente, coloco uma camisolinha confortável, deito na cama com o notebook no colo e assisto a algum filme desses que a gente baixa pela internet. Mi Torrent. Sei que todo mundo fala U Torrent, mas é Mi. Lembra daquela unidade de medida – chama mícron, se não me engano – que é tão pequena que a gente só aprende na escola pra nunca mais usar na vida? Então. Alguém teve dó do mícron e resolveu homenageá-lo. Não como vocês homenageiam aquelas meninas peitudas, bundudas, gostosas e sem limites que fazem esses filmes pornôs que a gente encontra pela web.
Aliás, me contaram que dentro de alguns meses o YouPorn vai ser pago. É… Imagina só trabalhar, ganhar aquele salário suado e ter que dispensar parte dele pra se inspirar enquanto bate aquela punhetinha diária? Foda. Eu não gosto muito de pagar pelas coisas, sabe? É claro que entendo que tudo tem o seu custo de produção, mas também acho que a gente paga demais pra viver de menos. Neste exato momento, consigo contar umas cem coisas ao meu redor pelas quais eu paguei: esse laptop, essa banda larga, esse fone de ouvido, esse pacote Office, esse antivírus. Esse vestidinho, essa calcinha, esse óculos de grau, esse chinelo Havaianas-Havaianas-Hava. Essa linguiça calabresa, esse pão, o tomate, a cebola e o vinagre desse vinagrete. É a parte que me cabe deste latifúndio.
Falando em vinagrete, o único apelido que tive na vida foi relacionado ao vinagrete. Vinagrotti. Sabe, meu sobrenome é Grotti, né? Aí um dia uma galera do meu antigo trabalho, da época áurea em que eu trabalhava com internet na empresa dos sonhos de todos os jovens, resolveu organizar um churrasco. Eu disse, numa troca de emails, que só iria se tivesse Vinagretchen, em homenagem à musa do Conga-la-conga-conga-conga-conga. Sim, aquela boa de bunda que já foi casada umas dezenas de vezes e que tem é mãe daquela mocinha que era sex symbol e que se revelou homossexual. Aí meu antigo chefe copiou a empresa inteira e mandou uma montagenzinha minha num potinho de vinagrete com a legenda: “Ou Vinagrotti…”. Foi questão de segundos pro apelido pegar.
Eu até que gostei. Porque apelido geralmente é bem mais pesado. Poderiam me chamar de quatro-olhos, porque eu uso óculos ocasionalmente. Revezo com a lente de contato, sabe? Porque óculos cansa demais o rosto, e com a suadeira que dá nesse calor, fica escorregando e desgastando a minha paciência. Poderiam me chamar de piolho de gnomo, porque sou pequenininha. Ok, nem tão pequena assim pra virar motivo de chacota, mas confesso que sempre tenho que subir num banquinho pra poder pegar tudo o que fica nas partes superiores dos armários. Poderiam me chamar de chafariz, porque eu transpiro mais do que todos vocês juntos. Aí vivo aliada aos lencinhos umedecidos, ao desodorante antitranspirante (gosto daquele Dove de pepino, sabe?) e aos não-sei-quantos (mas nem tantos assim, vai…) banhos diários pra tentar sanar o calor, que parece incidir sobre mim com cinquenta mil vezes mais intensidade do que sobre vocês. E bem que poderiam me chamar de monga também, fazendo alusão àquela menina peluda que dança no circo. Porque olha, vou contar uma coisa pra vocês: eu sou peluda. E paranoica com pelos, portanto, como todo bom entendedor deve imaginar, refém de cera, laser, gilete e blondor pra dar conta de tudo isso.
Eu até gostaria de ter coragem de sair pela rua com as pernas peludinhas – afinal, por que pelo é nojento em mulher, mas símbolo de virilidade em homem? Machismo, machismo, machismo. Aposto que vocês acharam que eu ia me estender sobre o assunto, porque adoro arranjar uma discussão envolvendo gêneros, estereótipos e patriarcalismo. Até na fila do caixa da balada já arranjei briga por não achar nada justo que eu pague menos do que um homem. Mas esse assunto acaba aqui, porque acabei de lembrar que deixei uma leva de pastéis de carne, queijo e calabresa assando no forno. E o fogo desse fogão, olha, vou te contar. É maior do que fogo de casal que acaba de sair de greve de sexo. O que eu nunca experimentei, porque acho a maior babaquice. Coisa de gente leviana que encara sexo como moeda de troca. Tipo, ele não reparou que cortei o cabelo, então vai ficar três semanas sem presentinho. Tomar no cu, antes que eu me esqueça.
Ah, e tomar anticoncepcional. E tomar mais um banho pra dar uma refrescada. E tomar o repugnante restinho da cerveja que eu deixei no fundo da lata enquanto a gente conversava. Aliás, por que mesmo a gente começou esse papo de bêbado em antevéspera de Natal? Ah, porque meu namorado falou que eu sou detalhista. Cês acreditam, gente? Tô passada. Eu, detalhista?! Ele é que é sucinto demais.
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