Seja você mesmo – Porque esse conselho pode ser uma utopia
Fiz terapia pra descobrir quem, afinal, eu era. Não pela aparente lucidez – até porque eu a detesto –, mas, já que eu convivo comigo o tempo inteiro, seria realmente ótimo saber com quem estou lidando.
Quando entrei no consultório – acredito que mais serena do que os pacientes com os quais aquele terapeuta de meia idade estava acostumado – fui perguntada como eu pensava que a terapia iria me ajudar. “Não faço a menor idéia”. Tudo que eu queria era que ele me dissesse logo quem diabos eu era e me mandasse ir embora, na verdade. Precisava falar, e falar é uma das coisas que mais gosto de fazer (depois de escrever e ver filmes de drama), então eu fui em frente. Ele ouvia com um silêncio irritante e, quando eu estava a ponto de ir embora, tivemos o primeiro diálogo útil daquela sessão.
“Tenho medo de me mostrar como sou quando conheço alguém.”
“Mas todos nós somos assim, não é mesmo? Somos o que nos convém em cada situação da vida.”
Saí de lá mais confusa do que entrei. Que tipo de filho da puta fala em metáforas com alguém que está completamente perdido em si mesmo? Ele parecia o mestre dos magos.
Graças a essa revolta pós-sessão, pensei melhor no que ele me dissera depois. Não pensando encontrar alguma resposta – porque eu estava certa de que não encontraria –, mas remoendo, injustamente, a aparente inutilidade daquela consulta. E foi injusto mesmo. É que aquilo foi a coisa mais sábia que já me disseram a respeito dos seres humanos. Se olharmos de perto, ninguém é o que gostaria de ser o tempo todo porque nenhum de nós é um personagem, uma trama psicológica bem criada.
Ninguém é mocinho ou vilão, pierrot ou arlequim, protagonista ou figurante do mundo. Não acredita? Olha pra você na balada. Esse alguém livre, leve, solto e cheio de personalidade. Agora olha pra você no trabalho. Olha pra você entre amigos, entre estranhos, entre superiores hierárquicos, entre inimigos… Se você conhecesse a si mesmo nessas duas situações, será que estaria conhecendo a mesma pessoa? Com as mesmas piadas, a mesma expressão, os mesmos ideais?
Cada um de nós se torna o que o meio nos exige. Temos máscaras que não só nos colocam convenientemente na sociedade, mas nos impedem de encarnarmos personagens estáticos em tempo integral sob o pretexto de “sermos nós mesmos”. Porque todas aquelas pessoas que você é em cada situação da vida – o cara calado no trabalho, leve na balada, espirituoso entre amigos – são você. São suas versões convenientes e, calma lá, não há nenhum desvio de personalidade nisso.
Por isso é que essa história de “ser você mesmo, doa a quem doer” me parece fruto de uma auto-ajuda barata de quem nem mesmo sabe o que significa “ser você mesmo”. Pois, no fim, quem é você? A real é que não dá pra saber quem somos, só dá pra saber quem nos tornamos a cada nova experiência – e esses alguéns que nos tornamos dependem também das experiências que a vida nos traz.
Só sei que depois disso, desisti de saber quem eu era e decidi ser, apenas. O que desse na telha. Então, às vezes sou meio maluca, às vezes irritantemente lúcida, às vezes insensível, às vezes piedosa e sentimental. E cada uma dessas pessoas sou eu – com toda autenticidade que me cabe, sou eu.
Aquele terapeuta que parecia só mais um cara que me ouviria e não saberia o que fazer a respeito me ensinou, com uma mísera frase de efeito, talvez a lição mais valiosa da minha vida: a gente pode ser um monte de coisas sem deixar de ser “a gente mesmo”, seja lá o que isso signifique.
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