Sobre barrigas negativas, fiu-fius e hipocrisias
Junto com a moda da barriga negativa (quem foi o imbecil que inventou isso?), vieram também centenas de milhares de textos sobre como as mulheres normais, com suas coxas curvas e barrigas tão positivas quanto o seu astral, merecem ser valorizadas.
Nunca fui das negativas (nem de barriga nem de humor), mas já pesei bem menos. Já usei saias esvoaçantes com saltos altos e senti os olhares de todos os lados de um samba lotado. Os quilos que me sobram hoje, me fizeram sentir uma realidade que pode parecer boba, mas está longe de ser leve: na teoria e no papel é tudo muito fácil.
Os autores falam sobre a importância da autoestima e da vaidade, mas esquecem que não há amor-próprio que resista ao olhar rude ou, pior ainda, a falta de olhar. E não me venha com essa de que “amor de verdade…” ou de “quem te ama vê a sua beleza”. Muito menos com aquela história de que mulheres se sentem invadidas com os fiu-fius.
Toda mulher guarda o monstro da insegurança que se alimenta de não-olhares, não-assobios, não-insinuações, não-cantadas. E é aí que mora o problema da falta de autoestima. O preconceito masculino faz com que, mesmo apaixonados pelas curvas brasileiras imortalizadas por Niemeyer entre quatro paredes, no xaveco e na cantada seja mais “normal” optar pelo biotipo “naturalmente paquerável”.
Eu sei que tenho mais papo, mais inteligência, mais cultura e que sou mais do que muitas mulheres consideradas gostosas. Mas como conhecer homens-que-estão-muito-mais-ligados-no-meu-eu-interior se na primeira aproximação, no olhar de tesão, no tirar-pra-dançar, é para elas que eles olham?
Por que mulheres tidas como gostosas procuram companhia num samba e as gordinhas precisam ir pras livrarias ou para a internet? Por que precisamos provar primeiro o eu-interior? Por que o olhar de encantamento precisa vir antes do olhar de desejo?
Não estou nem aí se machos sabem a diferença entre celulite e estria. Apenas gostaria que a sabedoria masculina também pudesse compreender que nem as que vestem 36, nem as que usam 50 deixam de ser mulheres – e, por isso mesmo, são todas surpreendentes.
Espero por um mundo em que “emagreci” não seja digno de parabéns e “engordei” não seja motivo de lágrimas. Em que ouvir “você emagraceu, né?” não cause sorrisos e nem que o silêncio sobre o aumento das medidas seja constrangedor.
Espero por um mundo em que seja normal ver gordinhas, magrinhas e gostosas sendo felizes, recebendo fiu-fius e afogando o monstro da insegurança nos olhares de desejo. Espero por um mundo em que as pessoas se desejem, se queiram, se amem. E que deixem os não-olhares todos dedicados para a balança.
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