Sofia, a menina que não sabia dizer o que sentia
Sofia sempre foi de sorrir muito, como se todos os dias vivesse num eterno carrossel – cada volta um sorriso diferente; cada volta um medo maior da próxima volta. Quando conversávamos, Sofia, me contava que não conseguia dizer o que sentia para quem tanto amava. Engraçado, pois, dentro dela, não havia sinais de orgulho, vergonha ou medo da falta de aprovação – era só, sei lá, não consigo dizer – dizia ela. Acontece que quando alguém me diz que não sabe demonstrar o que sente, me soa como uma confissão, um pedido de ajuda. Quem fala isso é porque está sofrendo, mesmo que ás vezes não saiba.
Neste caso, Sofia pode ser João, Pedro ou Juliana. Sofia é o medo de sentir uma alegria que nunca sentiu, ou uma alegria que sentiu e perdeu às vésperas de se tornar indelével. Sofia é a vergonha de ser, como muitos dizem, vulnerável ao amor, ou, em casos mais graves, uma conversa estreita entre o sentir e o orgulho de demonstrar. Mesmo que ela não admita. Sofia é um medo tamanho mar-profundo, uma concha que, de tão fechada, ouve de todos por aí que é durona, sendo que, na verdade, ela só tem pavor de perder a pérola que há dentro dela.
Quando a gente diz, da maneira que for, o que sentimos para quem amamos, a gente envolve aquela pessoa no nosso universo de maneira única. E, felizmente, o nosso universo engloba tudo o que há em nós; os afetos e desafetos, os defeitos escondidos e aparentes, as manias e as loucuras – omitir ao outro às nossas peculiaridades seria uma maneira muito pobre de amar. Acontece que quando a gente sente que, além de pulsar, o coração formiga, queremos dividir com o mundo, gritar, olhar nos olhos e, sem medir a longevidade das palavras, transportar as formigas que aqui vivem para também conhecer o coração do outro.
Poucos sabem, mas existe uma parcela da vida muito bonita que permeia entre o dizer e o sentir. Sentir é maravilhoso, criamos lugares que nunca imaginamos dentro de nós – profundos, ricos, nossos. Mas, quando a gente fala o que sente, conseguimos transportar os nossos amores para um tapete mágico que, de tão mágico, pode nos levar para onde quisermos. Ver a alegria de quem a gente ama estampada no rosto é um prazer muito maior do que “só” amar por amar; ter a sensação de estar amando é algo pequenino perto da euforia de dizer ao outro que ele está sendo amado.
Sofia ainda não descobriu como é divertido dizer, sem pudores, o que se sente, e, pela linda mania que a vida tem de distribuir seus momentos, ter em troca um sorriso de reciprocidade. É como um bom dia com café quentinho e abraço com gosto de eternidade – mesmo que de eterno sejam só as lembranças. A verdade é que a gente perde muito tempo com medo. Perde amores, perde sensações únicas, sorrisos únicos e, por achar que, sei lá, não sei, não consigo, um dia, se perde em saudades que, por sua vez, também serão únicas.
Querer ouvir tudo o que se quer, mas não querer falar tudo o que se sente, é injusto com os amores que passam; com os que ficam. Eu te amo, eu adoro estar com você, foge comigo, estou tão feliz que você está aqui, desce rapidinho, estou com tanta saudade – são palavras que soam feito bálsamo para a alma de quem vive conosco. Uma pena Sofia não saber disso. Uma pena ela não se enfrentar e descobrir como é louco e gostoso esse mundo das palavras que soam feito música.
Sorria como a Sofia, mas não deixe de dizer o que Sofia quis dizer e não conseguiu. Seja diferente dela, e olha que nem precisamos sair daquele carrossel cheio de alegrias em que ela vive – lá há espaço para todos os nossos medos. Ela não sabe o que está perdendo – mesmo que já tenha perdido muitas coisas; elas nunca justificam a falta de um recomeço.
Ah se ela soubesse como o tempo passa… Ah se ela soubesse como a dor de não falar, em longo prazo, amarga a vida… Ah se ela soubesse como as próximas voltas dão muito mais medo… Então, Sofia, para quê amar a saudade de um dia se a gente pode amar, e falar, o amor de agora?
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