Status: em um relacionamento sério. Com a música.
Entro no carro – dos outros, porque não sei dirigir e não faço a mínima questão de saber. A legislação de trânsito manda botar o cinto de segurança. Eu boto, porque sou obrigada. E também porque gosto. Me sinto abraçada, acolhida, acarinhada. É como se aquela tira de pano, meio algoz, meio sentinela, tentasse me dizer: vem cá, deixa eu te embalar, deixa eu te aconchegar. E eu, facinha que sou, deixo. Mal sabe ela que meu amor de verdade também está no recinto. A um braço e um apertão de distância.
Basta alguém ligar o rádio para eu entrar em transe. Não há nada nesse mundo que eu ame mais do que música. Nada, nada, nada. Ok, talvez a minha mãe. E um bom prato de arroz e feijão. E aquela blusinha listrada que me valoriza o colo. Com sorte, a selfie que eu tirei na semana passada. E acho que só. Porque música transcende qualquer prazer – quantas vezes eu já fui dormir às três e meia da manhã, tendo que acordar às oito, só porque estava ouvindo música? E melhor do que isso: música é um prazer conciliável.
Dá pra ouvir música enquanto se escreve. Enquanto se come. Enquanto se transa. Enquanto se exercita. Dá pra fazer música enquanto se toma banho. Enquanto se caminha. Enquanto se toma uma cerveja. Ou um vinho. Acho que é por isso que a música é um negócio tão bom. Porque ela é democrática. Ela frequenta desde os débuts da alta sociedade, onde se serve caviar, até os bailes de favela regados a bombeirinho. Porque ela não é ciumenta. Se você quiser passar o dia inteiro fazendo qualquer outra coisa e ficar só dez minutinhos com ela no final do dia, tudo certo, sem crise. Porque ela é autoconfiante. Ela sabe que, se não estiver na sua lista do Spotify, tá na de outra pessoa. Aquela velha história do “se tu não quer, tem quem queira”.
E é de gente assim que o mundo precisa. Gente que nem música. Que cai bem em todas as ocasiões. Que anima festa. Que embala melodrama. Que serve de consolo em fim de relacionamento. Que tem ritmo. Que tem pegada. Que tem poesia. Que arrepia. Que diz que ama. Que diz que já não ama mais. Que é um bom passatempo. Mas que não se julga a última bolacha do pacote. Que faz rir. Que faz chorar. Que faz sentir. Que faz pensar. Que faz barulho. Mas que sabe o valor de cada respiro, de cada pausa. De cada silêncio.
Que é a razão da gente encontrar euforia num arranjo de notas. Que é o prelúdio para a diversidade. Que é o tempo da gente pular de faixa. Do rock ao brega, do brega ao lírico, do lírico ao pop, do pop ao blues, do blues ao folk, do folk ao funk, do funk ao jazz, do jazz ao rock – basta um silêncio. É só a gente apertar um forward – ou um backward, pra quem, como eu, não tem vergonha de soar repetitivo – que tá tudo ao nosso alcance. Tá tudo ali. Tá tudo aqui. Tá em absolutamente tudo. Porque tudo é música. E música, meus bens, é tudo.
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