Tire uma flor da cartola

Aquele que do pouco aprendeu a fazer muito, sempre ganhou – merecidamente – uma chuva de aplausos. Do pai pobre que com apenas um graveto fez brinquedo e diversão para o filho inquieto, passando pelo namorado que usou caretas para fazer com que a parceira se esquecesse das dores da TPM, até o herói de mullet loiro que, apenas com um clipe e um chiclete velho, montou uma bomba com o potencial de salvar a humanidade das garras do inimigo.

Todos eles – os exemplos citados no parágrafo anterior -, independente do tipo de transformação que fizeram, mostraram dominar um dos poderes humanos que eu mais admiro: a capacidade de, mesmo sem aromatizar no bolso, perfumar as situações aparentemente inodoras da vida e de, mesmo sem tinta na caneta, colorir o cinza que, vez ou outra, insiste em nos pregar na cama de um quarto escuro.

O transformador – permitam-me usar tal apelido para a classe de pessoas que faço questão de elogiar com este texto -, por vontade de mudar cenários incômodos e por conhecer a simplicidade requerida para a fabricação de um sorriso, apesar de não ter a mínima ideia da quantidade de paus necessária para a feitura de uma canoa, definitivamente, compreende que para iluminar o dia de alguém, muitas vezes, basta fazer o papel virar flor, a geladeira se tornar porta-bilhetes e a chuva parecer motivo inadiável para um beijo fora da rotina e imune à gripe. Isso sim é mágica! Do tipo que arregala os olhos, acelera o coração e que faz com que soldados retomem a esperança amputada pela guerra sem sentido. Isso sim é mágica de verdade e – o que é ainda melhor – do tipo que, para ser realizada, não exige aulas práticas na Escolinha de Aprendizes do David Copperfield e, muito menos, requer acessos a tutoriais do YouTube. Mágica muito mais bonita do que aquelas que os ilusionistas fazem em Las Vegas. E sabe o porquê? Pois não existe nada mais lindo do que usar a criatividade para resgatar o açúcar que estava esquecido no fundo do coração de alguém! Não existe nada mais bonito do que, apenas com uma carta, fazer um amigo perder uma lágrima e ganhar mais alguns dias de alegria. Não existe nada no mundo – nem mesmo a aurora boreal – capaz de superar a espontânea beleza contida na cara da criança encantada com o imenso castelo de cartas que você fez, com cuidado, somente para vê-la mostrar os dentes que estão prestes a cair.

Muitas vezes, achamos que para surpreender alguém, precisamos de planos complexos, onerosos e de difícil realização – aí que mora o infeliz engano. Para surpreender alguém, irmão, você só precisa de algo que você já tem e que, talvez, ainda não saiba. Sabe o que é? Coragem para permitir que seus sentimentos mais bonitos não morram dentro do seu corpo e que, de alguma forma – elogio sincero, bilhete surpresa, cafuné sonífero, abraço constritor, origami imperfeito, careta inventada, bolinho de arroz, viagem surpresa, flor roubada –. migrem para o coração de alguém que ainda não acredita na magia das pequenas, porém grandiosas, transformações.

Um brinde aos transformadores e àqueles que, com simples atos, continuarão a nos fazer acreditar na mágica da vida. Tire você também uma flor da cartola e do peito de alguém que ama, por favor, remova um espinho.

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