Um medroso não erra nunca
Eu nunca me identifiquei com essa geração que se bate no peito e se orgulha de bradar aos quatro ventos que não tem medo de nada. Muito pelo contrário, eu tenho de um monte de coisas. Muitas mesmo. Porque no fundo, a coragem não é a ausência de medo. Coragem é você não deixar o medo que você sente de impedir de fazer alguma coisa. Ausência de medo, em algumas situações, é só burrice mesmo. Se você não tem medo de altura, ok. Mas se você não tem medo de pular na água com um tubarão do lado de fora, você é só estúpido mesmo.
O ser humano não evoluiu ao longo de milhões e milhões de anos perdendo o medo de tigres com dentes do tamanho de um Poodle ou de Mamutes. O ser humano evoluiu se defendendo desses animais, mesmo com medo. O medo é bom, como diria o poeta, o medo mantém os dentes na boca. Vocês aí, todos corajosos, querendo nadar com tubarões e pular de pára-quedas do alto de um prédio, não sabem de nada. Vocês não sabem de nada exatamente porque vocês não têm medo. Mas eu sei. Vocês saberiam se proteger de um ataque de urso? Não, mas eu sei. Vocês saberiam como sobreviver a um naufrágio em um mar cheio de tubarões? Não, mas eu sei. Vocês saberiam como sobreviver a um ataque nuclear/ataque de zumbi/tsunami? Aposto que não. Pois eu sei.
Não interessa se não tem urso no Brasil, se eu não ando de navio ou se nunca vai ter um tsunami no Brasil. O que interessa é que, em uma emergência, eu estarei preparado, e vocês não. E isso já salvou a minha vida algumas vezes. Quer dize, já deve ter salvado e eu não percebi. Mas com certeza já deve ter salvado. E isso inclui um conhecimento vastíssimo sobre doenças raras e bizarras. E isso sim já salvou a minha vida. Eu já tive uma pneumonia quase assintomática que eu, no auge do meu cagaço, desconfiei que era uma pneumonia e fui a um médico. E era. Eu já tive uma doença chamada Herpes Zosters, raríssima e bizarríssima, mas que eu, com todo o meu conhecimento mórbido sobre coisas ruins, já conhecia e, diante de dois médicos que não fazia idéia do que eu tinha, eu mesmo dei o dinagóstico: Herpes Zoster. Eles foram olhar uns livrinhos e voltaram dizendo que eu estava certo. Claro que eu estava, um medroso não erra nunca.
E ao meu portfólio de medroso se incluem técnicas de fugir de assaltos, direção defensiva/evasiva, técnicas de ressuscitação, nomes e telefones de pessoas que fazem documentos falsos (para o caso de uma eventual necessidade de fugir do país), curso de tiro, técnicas de defesa pessoal com objetos do dia a dia e armas brancas e, pasmem, técnicas de combate corpo a corpo com animais selvagens, como ursos, lobos, tubarões, leões etc. E se hoje vocês são o centro das atenções na roda de amigos por sua audácia e medo da morte, um dia, diante de uma emergência ou de uma hecatombe, eu reinarei absoluto, como um míope em um reino de cegos.
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