Um poeta te quer
Ele te ligou de madrugada. Como você não atendeu, foi por sms mesmo:
“Era uma vez, veja você, um passarinho feio. Que não sabia o que era, nem de onde veio.”
O despertador tocou e as meias já estavam preparadas. Você foi pra rua em dia de vento frio. E o barulho que o vento fazia era gelado. Não parecia a poesia de uma brisa no verão. No inverno o vento fica triste de saudade do sol. Todo mundo sabe, até o vento, que um bom presente seria meia hora a mais todo dia. Pra ficar calado – esquecer a saudade – e ler poesia.
É por isso que o poeta te quer. Pela saudade. Por que você tem o sono pesado, não atende de madrugada, mas entende os papos loucos dele. Quando, sábado de manhã, ele diz que viver é dom e sina. Finge que vai ao banheiro, mas se esconde atrás da cortina. É mais uma tentativa idiota de te assustar pra você descontar com mordida. Mordida na perna, ombro e barriga. O fim disso é com você por cima.
Te quis porque você sabe que poesia não é uma coisa só do papel. Poesia é jeito de ver a vida; de olhar pro céu.
Talvez a poesia dele não pense em mudar o mundo. Pense em aumentá-lo. Fazer com que chão e o horizonte sejam maiores. Talvez seja tudo uma desculpa pra ser maior o jardim de vocês dois.
E, como todo artista que se preste, ele tem um violão e mal vê a hora de tocar Beatles pra você. “She loves you, yeah yeah yeah. She loves you, yeah yeah yeah”.
Há a falsa ideia no ar de que o poeta enxerga a rima em tudo. Mentira, ele não enxerga nada. É um burro, um jegue assumido. Mas a poesia gosta de jegues e burros assumidos; vai atrás deles, os encontra e os beija.
Beijo esse que ele quer devolver. Na sua testa; desses que só a mulher preferida ganha. Beijo na sua boca; desses que só os apaixonados dão.
O poeta gosta de coxinha e de conchinha. De latinha e litrão; Brahma, Bohêmia ou Skol. É sem tempo ruim na mesa de plástico e no balcão. É de grito, porque é humano. É de sussurro porque te deseja. Faz de tudo pra ser cada vez mais burro e deixar que o coração, esse sim inteligente, faça os trabalhos. Poeta deixa o papo de racionalidade para os empresários. O máximo que a empresa do poeta faz é entregar rima quentinha.
E quando algo nele não te satisfizer, não esqueça que algo em você não inspirará nada. Há defeitos de casais que são íntimos demais para virarem estrofe. Por exemplo, ele nunca fez nem fará um texto sobre sua eterna mania de dormir e puxar o edredon inteiro só pra você. Defeito gravíssimo que deve ser punido com cócegas na barriga ao acordarem.
O poeta te quer nas madrugadas. Quando você não está, ele prefere contar pessoalmente o resto das mensagens que manda:
“Aí então o poeta chegou e disse: Pegue as mágoas
Pegue as mágoas e apague-as, tenha o orgulho das águias
E disse ainda: é tudo azul, e o passarinho feio
Virou o cavalo voador, esse tal de Pégaso
Pégaso pega o azul”
E você, sendo tão mulher, pensava:
“O poeta me quis. O poeta me quer. O poeta vai me querer?
Mal sabe você que paixão de poeta não dorme cedo. Paixão de poeta vira livro. E um livro, minha dama, dura bem mais que um homem. Bem mais que canetas. Bem mais que travesseiros.
Amor é verão no inverno madrugado do poeta.
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