Um salve à hipocrisia – Tudo na vida é uma questão de proporção
Tudo na vida é uma questão de proporção. Algo pode ser grande para você e pequeno para alguém. Ruim para você e bom para alguém. No Brasil, porém, a proporção embasa a hipocrisia. No Brasil, o cara que usa carteira de estudante falsa critica o político ladrão. A mulher que sai com dois homens no mesmo dia critica a que sai com três. O sujeito que sonega um carro no Imposto de Renda critica o milionário que sonega uma Ilha em Angra. E assim vai. O mais recente episódio que corrobora essa teoria foi um vídeo postado pela Veja, intitulado “Os dez mandamentos do Rei do camarote”, que é basicamente um sujeito falando que se você quer se dar bem na balada, você deve ostentar roupas, carros e bebidas caras, em um camarote, logicamente. O vídeo tem cara e jeito de falso, mas vamos trabalhar com a hipótese dele ser real.
E aí, o nobre povo do Brasil, que não ostenta nem gasta dinheiro com itens supérfluos, caiu matando em cima do sujeito. Aos gritos de “tem tanta gente passando fome por aí”, “deve ser viado” e “o capitalismo cria gente assim enquanto nosso país tem milhões de miseráveis”, o bom e sempre pronto a cuidar da vida alheia povo brasileiro fez o que lhe é esperado: julgou. Assim como se julga nas capas das revistas de fofoca e nas notícias de que tal celebridade é gay, não faltaram textos e mais textos criticando o sujeito. Vi alguns até botando a culpa nele pela violência urbana. Se a minha mulher engravidar é bom que eu já tenho alguém pra culpar.
Mas voltemos à proporção e à hipocrisia. Qual a diferença entre ostentar uma garrafa de champanhe de mil reais e ostentar um café da Starbucks de quinze reais? Qual a diferença entre ostentar um camarote cuja conta permeia entre os vinte mil reais e ostentar uma viagem para Buenos Aires com fotos de comida, bebida e compras? A diferença é só a quantidade de dinheiro envolvida. É o grande exemplo do sujeito que pede um lugar VIP na balada ou um convite para pré-estreia, mas critica o Rei do Camarote. Qual a diferença? Nenhuma, na minha opinião.
Milhões de crianças passam fome enquanto ele ostenta? Ok, mas crianças também passam fome enquanto você compra uma camiseta de duzentos reais, enquanto você toma seu café de vinte reais ou enquanto você paga mil reais em um óculos ou em um relógio. Repito: qual a diferença? Supérfluo barato é menos supérfluo? Ostentar um óculos de mil reais é menos ostentação do que se for com um carro de quinhentos mil? Lhes garanto, amigos socialistas de boteco, que há muito mais gente gastando com supérfluos baratos do que com Ferraris no mundo. Se todos os que criticam este sujeito juntassem o dinheiro dos seus supérfluos, daria muito mais do que todos os que possuem Ferraris no Brasil. Isso sem falar – como tuitou a Rosana hoje para mim – nas centenas de pessoas que criticaram o sujeito mas vivem mendigando ingressos, brindes, produtos e descontos nas redes sociais. Ah, o Brasil.
Mas o que eu acho que mais irrita as pessoas que estão criticando é a sinceridade quase ingênua dele. Ele admite o que a maioria das pessoas têm vergonha sequer de pensar. Ele admite que a Ferrari e o champanhe lhe dão status, assim como o nosso iPhone e a nossa camisa da Armani ou de outra marca qualquer da moda. A reação das pessoas só comprova a velha anedota que move o Brasil para a frente: um sujeito que rouba é ladrão? Um sujeito que rouba vai preso? Não. Quem vai preso não é o sujeito que rouba, mas o sujeito que rouba e é descoberto. Matéria falsa ou não, real ou não, o Rei do Camarote nos mostrou que, adaptando o famoso ditado do “egoísta é um sujeito que pensa mais nele do que em mim”, no Brasil está errado quem ostenta mais do que a gente.
As analogias foram realmente muito burras, a diferença é gritante.