Uma hora eu teria que mudar

O que acontece quando uma força irresistível encontra um objeto que não pode ser movido?

– Desiste, a gente não tem nada a ver.
– Nada a ver o que?
– Nada. A gente não tem nada a ver, nada em comum. De política à alimentação passando por estilo de vida, a gente tem um total de zero coisas a ver.
– Então por que a gente se dá tão bem?
– Sei lá. Porque a gente não namora.
– E qual a diferença entre amigos que se dão muito bem e um casal?
– Sexo. Compromisso.
– Ah, entendi. Então quer dizer que se nós adicionarmos sexo à nossa relação maravilhosa de amizade, isso vai fazer tudo dar errado? Faz muito sentido.
– Cara, é impressionante, você não desiste nunca. A gente não tem absolutamente nada a ver.
– Eu não desisto porque eu não concordo.
– Não concorda que a gente não tem nada a ver?
– Não, não concordo que isso faça tanta diferença.
– Cara, a gente tá vivendo o Paradoxo da Força Irresistível. Que faz a seguinte pergunta: “o que acontece quando uma força irresistível encontra um objeto que não pode ser movido?”
– Você é o objeto.
– Que não pode ser movido. E você é a força.
– Que não pode ser parada.
– E o que eu faço com você, cara?
– Quer que eu responda por ordem de acontecimentos ou ordem alfabética do que você faz comigo?
– Cala a boca!
– Olha, é como diz a música do Frank Sinatra: “Quando uma força irresistível encontra um objeto inamovível, alguém tem que ceder. Quando um sorriso irrepreensível como o seu aquece um velho e implacável coração como o meu, não diga não, eu insisto. Alguém, de algum jeito, vai ser beijado. Então, em garde, quem sabe o que o destino tem em estoque?”
– Você me assusta.
– De tão inteligente?
– Não, de tão chato. Você consegue citar uma porra de uma música que tem uma frase que eu acabei de te falar e achei que você nunca tivesse ouvido falar. Aí você cita Sinatra e ainda usa a palavra “inamovível”, que eu nem sabia que existia.
– Nem eu, eu vi no Google.
– E quem vai ceder?
– Eu cedo.
– Ok, então você cede e faz o que eu quero, e a gente não fica. Fechado.
– Nisso eu não cedo. Cedo no resto. A gente não fala de política. Eu passo a passar as minhas roupas. Você não é obrigada a ver todos os Star Wars e filmes de super herói comigo. Eu vejo todos os documentários do Al Gore, do Michael Moore, e todos os documentários sobre as fazendas de vacas sem cabeça do McDonalds. E eu não como carne dois dias por semana.
– Três.
– Tá, três. E eu passo a fazer exercícios. E arrumo a minha bagunça. E escovo os gatos todo dia. E nunca dou refrigerante nem fritura pro seu filho.
– Você mudaria tanto assim por mim?
– Uma hora eu teria que mudar, né?!
– Você quer muito me comer.
– Até quero, mas se for só pra comer eu não vou ver documentário nem parar de comer carne. Arrumar a casa já tá de bom tamanho.
– Você não faria isso por mim, nem por ninguém. Você é a força que não pode ser parada, esqueceu?
– Mas eu não vou parar EM você, eu quero parar COM você. Nanda, se você me ligar e eu estiver na fila pra entrar na estreia do Star Wars novo, eu saio da fila e vou encontrar com você.

– Ia nada.
– ia, juro.
– Ia nada.
– Ué, experimenta. É dia 17.

Alguns dias depois, no dia 17, na hora em que Beto estava na fila, Nanda ligou. E ele saiu da fila, eles ficaram, seis meses depois foram morar juntos, tiveram um filho, Luke, e estão casados há dezoito anos. E todo ano, quando tem lançamento de um filme novo da saga Star Wars, no dia exato da estreia, eles saem pra jantar e comemorar a primeira vez que ficaram juntos. E são muitos felizes. Três dias sem carne, documentários falando sobre o meio ambiente e sobre as aranhas mancas da Nova Guiné, que estão quase extintas. Plenamente felizes. A força moveu o objeto alguns centímetros, e os dois pararam juntos. Mas ela nunca vai poder saber que ele suborna um amigo diretor de cinema em troca de um ingresso para a pré-estreia, que ele vai sozinho e disfarçado, dizendo que vai jogar poker com os amigos. Na verdade, ela sabe disso tudo, mas não liga, e eles são felizes assim mesmo.

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