Uma selfie da nossa geração
Respirar o momento? Não, não dá. Agora eu estou demasiadamente ocupado tentando fotografá-lo. E depois? Depois que conseguir aprisioná-lo em meu smartphone, eu darei um belo tapa nele: deixarei o céu mais azul, meu sorriso mais branco e a minha pele menos pálida, pra dar a impressão de que passo pouco tempo enfiado em meu quarto e muitas horas tomando Mojitos sobre as areias claras de algum paraíso caribenho. E depois? Depois vou compartilhá-lo com os tantos “amigos” virtuais que só conheço por meio de retratos que não retratam o que de fato eles são. Vou postá-lo com a seguinte legenda: “Viva o momento!” O que certamente fará com que pensem que sou do tipo que vive a vida. Ledo engado. Pois sou do tipo que, em vez de vivê-la, vive a fingir, publicamente, que a vive.
Mas não sou o único, caro BFF (best friend de Facebook). Não sou o único que já perdeu um pôr do sol enquanto tentava, desesperadamente, descolar um carregador, agindo como um viciado à procura de crack. Não sou o único que comeu um hambúrguer gelado porque demorou um tempão para ajustar o flash, o foco, o ângulo, o topete, a pose do queijo derretido… Não sou o único que, em vez de optar pela mais gostosa, um dia escolheu a cerveja mais fotogênica, ou melhor, aquela com maior potencial para atrair mãozinhas azuis zuckerberguinas. Não sou o único, caro parça de mural e truta de comentário. Porque você também é assim! Pensa que eu não sei o que você postou no verão passado? Sei, ô se sei. Sei, até, que você só faz cocô em banheiros com Wi-Fi. E que hoje só lavou meia piroca porque saiu do banho às pressas, ansiosíssimo para descobrir o conteúdo da mensagem que recebeu assim que a ducha bateu em suas costas.
O que mais eu sei? Sei que a tecnologia, que é ótima para nos aproximar de quem está a quilômetros de distância, também tem sido usada de maneira burra – e fora de hora! -, nos afastando de pessoas que estão a centímetros de nossas mãos, sentadas à mesma mesa que nós. Engraçado, né? Não muito, para ser bem sincero. Está mais pra irônico. Ou bizarro. Ou assustador. Ou… Droga! Acabei de atropelar uma menina que fazia uma selfie bem no meio da Paulista. Merda. Sei que tenho certa culpa no cartório, afinal, escrever uma coluna e dirigir é algo consideravelmente arriscado. Mas fazer uma selfie bem no meio de uma avenida é muito mais perigoso do que entrar menstruada em um rio cheio de piranhas, vocês não acham? Eu acho.
Mas, calma aí. Só um segundo. Ela não morreu. Ela não morreu! ELA NÃO MORREU! Mexeu o braço, eu vi. Agora, apesar do fêmur exposto e de outras escoriações, está sorrindo para os vídeos que curiosos estão fazendo da tragédia dela. Inacreditável. Agora pegou o celular e… Não, não pode ser, está fazendo uma selfie. Só falta colocar hashtags, algo como: #fuiatropelada #semprepodepiorar #projetomefodi #tahosso #existedoremsp. Pensando bem, o que falta, de verdade, é passarmos mais tempo no planeta azul em que a mexerica deixa cheiro na mão e o papo independe da internet pra rolar.
21 comentários abaixo sobre Uma selfie da nossa geração
“Selfie” a palavra do ano e o mal do século. Amei o texto, tudo verdade (infelizmente).
De uns meses pra cá eu tenho deixado mais o celular de lado e tenho olhado mais pro rosto das pessoas, no começo é difícil, mas com o tempo você se acostuma … E sabe, livros ajudam muito nesse processo de “recuperação” kkkkk.
ADORO o site e todos os dias eu entro e leio posts novos e releio os posts antigos <3 continuem alegrando meus dias !! Obrigada.
Utilizo da internet somente em casa e depois da faculdade, quer dizer, alguns minutos antes do sono me possuir e sinceramente tem sido libertador sair com meus amigos e não ficar o tempo inteiro igual eles, isso é vida meu POVO!!! Amei o texto (L”
Coiro, sempre Coiro! Porra, que texto :o :o
Fico surpresa qndo saio e vejo pessoas tirando fotos do que vão comer??!! Oi??? Genteeeee comida é comida né?? Mais respeito!!!!
Foda meu caro, foda!
Sensacional!
Que texto! Nossa
Impossível não curtir seus posts Coiro! Ahh se tem uma coisa que até hoje não entendo é a logica de tirar foto da comida.
“Vou postá-lo com a seguinte legenda: “Viva o momento!” O que certamente
fará com que pensem que sou do tipo que vive a vida. Ledo engado. Pois sou do tipo que, em vez de vivê-la, vive a fingir, publicamente, que a vive. ” Essa é a mais pura verdade do século, vejo pessoas que no facebook são as mais felizes do mundo. E na vida real?
Mexerica não. Bergamota, por favor. hahaha
Que que é isso??
Não basta o texto retratar plenamente a realidade, ainda te prende um jeito com esse humor e essa narração de dentro do carro hahaha demaus
Gênio!
Tudo verdade! (Infelizmente).
Nossa disse tudo !
Muito bom, Coiro. Só li verdades!
Sensacional!
Aquele momento que vc lê sobre mexerica deixar cheiro nas mãos e lembra de um texto paralelo escrito pelo mesmo dono desse! Parabéns Coiro, vc é demais.
Reflexivo…………… Me fez pensar e agradecer por ter deixado quase todas minhas redes sociais de lado.
Que triste texto, principalmente por ser honesto! Independente da quantidade de redes sociais, sites com infinitas informações que nós temos acesso, a questão é o uso desenfreado de ferramentas que deveriam nos servir! Acredito que isso esteja além das selfies no meio da rua (seria cômico se não fosse trágico, embora tenha me “divertido” com a cena). Enfim, a brincadeira no texto foi uma delicia de ler e aponta para uma questão muito importante, muito bom!
Seria Cômico se não fosse verdade! Belo texto Coiro.
Coiro, me dá um abraço aqui vai.
Credo, baita texto meu.