Velhos tempos
Se encontraram na seção de livros religiosos de uma grande livraria, entre o Seicho No Ie e o Xamanismo Moderno. Ele folheava um exemplar de O Monge que roubou a Cabana – mudando a sua vida através da meditação com cigarros mentolados, quando percebeu que ela o fitava fixamente. Ele olhou ao redor e confirmou: era para ele mesmo que ela olhava. Enquanto ela se aproximava, ele rapidamente virou a página para sair do capítulo “Usando a meditação transcendental para melhorar a sua potencia sexual”. Ela se aproximou e o abordou.
– Paulinho? – Perguntou ela, olhando fixamente para os seus olhos.
Ele olha para ela por alguns segundos, como que tentando reconhece-la. Ela é linda, usa uma blusa casual que não esconde nada dos seus seios e uma saia até os joelhos que deixam à mostra belas e torneadas panturrilhas – e todos sabem que dá pra saber tudo sobre uma mulher somente analisando as panturrilhas. Quando seu olhar acaba o tour pelo corpo dela, finalmente ele tem um estalo, ao mesmo tempo em que ela o interrompe.
– Juzinha! – Diz ela, apontando para o próprio peito!
– Claro, Ju! Caraca, você tá tão diferente!
– Pois é, né. Faz o que, uns quinze anos? E você ainda gosta de esoterismo?
– Por aí, acho que mais. Claro, adoro!
– É, foi em 98?
– Caraca, mais de quinze anos…
– Você ainda lembra por que a gente brigou?
– Putz, não mesmo. Não foi por causa da…
– Fatinha? Não foi?
– Isso! Mas foi bobeira nossa, nem foi nada importante.
– Tudo bem que faz muito tempo, mas eu descobri que você namorou nós duas durante dois anos, Paulinho! Claro que foi importante, hahahahah!
Os dois riem e se fitam nos olhos por alguns segundos.
– Mas eu era muito novo. E como você tá?
– Tô bem. Acabei de me separar do Fred, lembra dele?
– Fred, Fred…
– É, um meio ruivo, você e o pessoal do futebol achavam que ele era gay!
– Nossa, o Fred! E se separaram por que?
– Pois é, então, descobri depois de catorze anos que vocês estavam certos…
– Não brinca!
– Juro. Descobri que ele tinha um caso com o professor de Squash dele.
– Nossa…
– Pior não foi ser trocada por um homem, o pior é que o cara tem vinte e dois anos. Me senti uma velha!
– Pelo menos ele não te trocou por uma mulher de vinte, hahahaha!
– Antes fosse, tem que ver a bunda daquele cara… Parece a Beyoncé.
Os dois riem e ele guarda o livro na estante. Eles caminham pela livraria enquanto conversam.
– Você ainda é botafogo doente?
– Claro! Vou em todos os jogos! E você, ainda é fã da… dos.. como era o nome mesmo?
– Backstreet boys! Ainda amo! Só não tenho mais os pôsteres, né, aí já é demais.
– Eu ainda tenho os meus do Botafogo, minha paixão durou mais, hahahahah!
– Pois é…
Ele se aproxima dela e fala, olhando para o chão:
– Você ficou com muita raiva de mim por causa da Ritinha?
– Fatinha
– É, Fatinha.
– Na época fiquei, mas depois passou. Eu era muito chata, a gente se via pouco, minha família não gostava de você. Não justifica, mas sei lá, a raiva passou.
– Bom, eu também me separei há uns meses. Pensei muito em você, mas achei que você ainda tivesse com raiva e nem te procurei
– Também pensei em você, mas achei que você estivesse casado, com filhos, família.
– Casei, nada de filhos. Durou pouco, éramos muito diferentes.
– Pois é, eu e o Fred também, né, hehehe.
– É, então, Ju, quer sair pra jantar um dia desses?
– Pode ser! Ainda gosta de comida japonesa?
– Sempre!
– Fatinha é assunto proibido no jantar!
– Combinadíssimo! Quinta?
– Quinta não dá, eu tenho pré-estreia do filme dos Cavaleiros do Zodíaco! Sou vice-presidente do fã-clube deles e a gente vai fazer cosplay! Eu vou de Athena esse ano!
– Que legal! Mas lembrei agora, quinta eu tenho uma reunião em São Paulo e fico o fim de semana todo por lá. Vamos combinar quando eu voltar?
– Claro!
– Toma meu telefone.
Ela anotou o telefone em um papel e deu a ele. Se despediram, beijinhos no rosto, abraço apertado e suspiros. Ela foi embora e ele ficou parado na frente da estante de Hipnose e Poder da Mente. Quando ela saiu da loja, ele jogou fora o papel com o telefone dela. Nunca a havia visto na vida. Ele até conseguiria fingir que era o Paulinho, fingir que era Botafogo – afinal, era Vasco, a cor era a mesma, era só mandar tirar os escudos do time das cuecas. Ele conseguiria até comprar uns livros esotéricos e encontrar umas informações sobre ela na internet, pra deixar a história mais convincente. Mas ver o filme dos Cavaleiros do Zodíaco com ela vestida de Athena era demais. Que tipo de idiota faz isso? Se ainda fosse Dragon Ball. Ou se ela tivesse panturrilhas mais grossas.
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