Você é capaz de enxergar o amor?
Você é capaz de enxergar o amor? Porque enxergá-lo, meu bem, não é para qualquer um.
O Criolo, por exemplo, afirmou que não existe amor em SP. Grande besteira! No mínimo, uma mentira. Porque até mesmo na megalópole, entre apressados, egoístas e vira-latas ansiosos pelo seu próximo desperdício, há amor de sobra, acredite. Ou finja que não me leu e, consequentemente, bata as botas sem enxergar o que há de mais bonito nesta cidade.
A mesma cegueira sentimental que possuiu a mente do Criolo também se infiltrou no imaginário de um grande amigo meu, que vive a declarar – a quem quiser ouvi-lo – que o tal do love evaporou sem deixar bilhete de despedida ou gritar “Já volto!” do hall do elevador. “Cadê o amor, cara?”, meu brother me pergunta sempre que toma uns chopes a mais. “Está bem aqui, irmão!”, respondo enquanto aperto forte o ombro dele, tentando mostrar que o amor, na maioria das vezes – e diferente do que grande parte do povo pensa -, manifesta-se por meio de singelezas, sem vestir grandes ornamentos ou peças que brilham no escuro.
Quer saber a real? O amor, apesar dos tantos exageros pomposos que inventaram sobre ele, prefere dar as caras através de sutilezas bem menos audíveis do que serenatas e quase invisíveis perto de buquês que custam os olhos da cara. E você precisa estar preparada para enxergá-lo, ok? Precisa aprender a reconhecê-lo em meio ao mar revolto de sentimentos em que está inserida desde que saiu do útero de sua querida madre. Ou passará por cima dele diversas vezes, sem sequer notá-lo, como os executivos que berram ao celular costumam fazer com mendigos estirados sobre a calçada da Paulista.
Sabe o amor cheio de declarações públicas e cartas quilométricas que você idealizava em sua adolescência? Esqueça-o. Ou melhor, encare-o como uma das formas – a menos comum, provavelmente – de manifestação do sentimento. Porque o amor, na maioria dos casos, não chega berrando “Tô aqui, porra!” nem cola na grade segurando um cartaz que termina com “Filma eu, Galvão!”. O amor, muitas vezes, é sutil, na dele, reservado pra dedéu, mas, nem por isso, deixa de ser algo atômico e transformador. Saca?
Em vez de ficar procurando, feito louca, por um outdoor com um “I Love You” seguido por seu nome, preste atenção nos detalhes, pois é neles que o amor mora. Preste atenção na forma carinhosa como o seu namorado acaricia o dorso do seu dedo enquanto dirige. Atente-se à blusa extra que ele deixa no carro somente para lhe emprestar quando o tempo mudar, abruptamente. Observe a expressão de tristeza que ele faz quando você diz que seu dia foi uma merda. Note a forma como ele cerra os punhos quando você afirma que alguém lhe destratou. Preste bastante atenção nas tantas vezes em que ele assistiu aos vídeos do Edu Guedes só pra aprender a fazer algum quitute com poder de acariciar o seu estômago pidão. Olhe bem para o sorriso que ele dá quando transforma seu sorriso tímido em gargalhada de acordar a vizinhança.
O amor, muitas vezes, surge numa pequena afirmação dita num domingo qualquer. E se você não perceber a presença dele, sinto muito, muito mesmo, pois não rolará replay. E você terá perdido uma valiosa chance de se encontrar com aquilo que existe para tornar a nossa existência suportável.
Não acredita que o amor pode aparecer em pequenas frases? Pois precisa começar a acreditar, sério. Na semana passada, por exemplo, ele apareceu pra mim em forma de “Acho que prefiro ovo mexido!”. Não entendeu nada, né? Explico: essa foi a afirmação que a minha namorada fez quando percebeu que a minha primeira omelete, num ato de extrema rebeldia e falta de respeito, tinha começado a grudar no fundo da panela. Visualizou o tal do amor embrenhado num diálogo aparentemente desprovido de brilho? Eu o vi, felizmente. E continuo a vê-lo, todos os dias, porque sei da maravilhosa capacidade que ele tem de brotar longe de jardins e de se manifestar por meio de atitudes que, àqueles que ainda não o conhecem, parecem apenas atos corriqueiros, que não merecem um espacinho na memória ou dentro de uma poesia que aquece mais do que qualquer fogueira.
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