“Você pre-ci-sa ver essa série” e outras mentiras que te contam
Melhores amigos ou recém-conhecidos, tanto faz. O papo começa e dois minutos depois alguém comenta sobre uma série que eu não fazia ideia de existia ou simplesmente não tenho interesse em ver. O tom nunca é de sugestão. É quase impositivo. Geralmente me sinto olhando para uma daquelas máquinas de bolhas de sabão e cada circunferência furta-cor é um argumento. Minha vontade é virar as costas. Respondo com um sorriso amarelo e um “nossa, que demais! Vou ver, sim”. É mentira.
Meu dia tem 24 horas. Assim como o seu. O de todo mundo. Do papa ao presidente dos Estados Unidos. O cara mais culto que eu conheço, a dona da barriga mais chapada da academia, a pessoa com mais amigos e o mais solitário dos seres. E cada um aproveita a sequência dos seus dias como bem entender. A vida é uma questão de prioridades. E passar horas assistindo a um troço para estar por dentro do papo do momento pode ser uma boa alternativa, mas não é a minha escolha.
E não é que Game of Thrones, Walking Dead, Gilmore Girls, The Blacklist, Narcos ou as outras incríveis possibilidades da Netflix não sejam incríveis. Podem ser. Pode ser que eu esteja perdendo um personagem que vai mudar a minha percepção do mundo, um diálogo que eu tatuaria. E está tudo bem.
Precisamos parar de cobrar uns dos outros pelas mesmas prioridades, pelas mesmas referências, por menos sono e mais série. Se um dos grandes benefícios dessa época única que vivemos é o acesso a conteúdos de vários tipos e valias, o grande desafio é conseguir equilibrar todo esse conteúdo nas 24 horas que o dia tem (pra todo mundo, já disse). A ansiedade pelo capítulo seguinte da novela ou pelo jornal de amanhã metamorfoseou em cobrança. “O que será que vai acontecer?” agora é “você já viu o que aconteceu?”.
Indicar é legal, dividir referências é demais. Exigir é horrível. Sentir-se na obrigação ainda pior.
Você não pre-ci-sa assistir nada. Você po-de assistir o que quiser. E já passou da hora de vermos nisso uma oportunidade, não uma exigência. Leveza, não peso. Antes de estar por dentro de qualquer assunto do momento, é preciso estar em paz com a própria felicidade. E tudo bem se ela não estiver numa maratona im-per-dí-vel e, sim, num dia sem ligar a TV.
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