30% é um mundo (e não podemos aceitar)
“Tudo depende do ponto de vista” e “sempre dá pra ver o copo meio cheio” são frases que eu repito à exaustão. São tentativas – às vezes frustradas – de não deixar que as notícias ruins acabem com meus dias. Normalmente, quando a notícia é de que é 30% alguma coisa ruim, penso “mas, poxa, tem 70% bom”.
No entanto, no caso da pesquisa divulgada esta semana pelo Datafolha, ficou impossível. É inadmissível pensar que 30% da população acreditam que “a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”. E 37% concordam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. São milhões de pessoas. Não é o cara revoltado do Facebook, não é o cara sem formação alguma e muitas vezes nem é um cara. É uma mulher.
Porque 32% das mulheres acham que “uma mulher que tem o comportamento adequado não são estupradas”. As manas. Aquelas por quem as integrantes do movimento feminista corajosamente enfrentam leões, Bolsonaros e Biels. Temos um longo caminho pela frente.
A mesma pesquisa apontou que uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos – não precisa somar, eu te ajudo: 50 mil casos ao ano. É mais do que um estádio do Palmeiras lotado. Agora imagine um estádio do Palmeiras inteiro de mulheres gritando por socorro. Porque elas gritaram, mesmo que em silêncio. Mesmo que fosse uma só, já seria um problema imenso. Mas são 50 mil.
A cultura do estupro não está apenas nestes números. Está na fala de uma delegada, que afirmou em rede nacional que todas as vítimas – quando conseguem registrar o Boletim de Ocorrência – começam o seu depoimento justificando seu comportamento. A vítima é vítima. Não se relativiza culpa em casos de estupro. Não se justifica, não se argumenta. Há uma vítima e um criminoso. E é isso.
Por muito tempo, talvez, tenhamos colocado o feminismo no papel de importante, não de fundamental. De necessário, não de urgente. E agora, antes tarde do que nunca, é hora de sair do armário. No conforto do nosso ponto de vista, no escurinho das portas fechadas, às vezes é difícil de perceber que um incêndio está prestes a acontecer.
Porque além de 30% da população não ter a menor ideia do que significa o estupro, 85% das mulheres afirmam que têm medo de ser estupradas. Não há como ver algo bom nisso. O copo está vazio. Precisamos de ajuda.
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