A frase que antecede o beijo

O ser humano é o único animal que supervaloriza. Sempre fomos assim. Desde a supervalorização do pôr do sol (que acontece todos os dias, salvo engano), até a supervalorização do batom vermelho. Quando eu era adolescente e tímido e míope e com mullets e magrelo e nerd e virgem, eu tinha muitos problemas com as mulheres. Não que eu ainda não os tenha, mas hoje são outros. Eu via os homens abordando mulheres em boates, bares, e ficava maravilhado. Mas por um motivo diferente. Eu não queria saber como eles tinham coragem de ir até lá, nem em que momento eles decidiram isso. Isso tudo é supervalorizado, qualquer um toma essa decisão. O difícil mesmo, que eu levei anos para entender, era o famoso “e na hora, eu falo o que”?

– E aí, pegou?
– Peguei, pô!
– Mas e aí, como foi?
– Como foi o que? Pegar ela?
– Não, como você chegou nela?
– Cara, como assim? Cheguei chegando, cheguei e pronto.
– Mas chegou como? Você falou o que?
– Porra, falei que queria ficar com ela e tal.
– Você chegou lá e falou “aí, quero ficar com você, e tal”?
– Lógico que não, animal! Falei que queria ficar com ela, joguei um papo e rolou.
– Mas que papo é esse?
– Cara, papo, papo, falei do tempo, sobre o que poderia quebrar garras de adamantium, sei lá, sobre várias coisas.
– Porra, mas isso tudo eu também falo, quero saber o pulo do gato. Onde acaba o papo furado e vem a frase que antecede o beijo! Você fala o que?
– Sei lá o que eu falo, cara! Na hora, rola!

E essa foi a dúvida da minha vida durante muitos anos. Eu sabia falar sobre a guerra nas Balcãs, sobre os pinguins viajarem entre continentes sem se perder ou sobre arte barroca, mas eu não sabia o tchan, o pulo do gato, a frase que muda do “será que ele tá flertando comigo” para “Meu Deus, ele me quer! Preciso fazer alguma coisa”. E durante anos, eu não soube. Como uma cobra, eu enrolava, enrolava, enrolava e, em um momento de vulnerabilidade, arremessava meu bico armado na direção da boca da vítima, assim, do nada, sem aviso prévio. Algumas vezes funcionou, outras eu tive que me explicar pra segurança do prédio. Ganhei alguns beijos ardorosos como recompensa pela minha ousadia, mas também já ganhei uns olhares bem estranhos por essa minha “coragem”. E assim eu cresci, sempre entrando no assunto pela tangente, rodeando, entrando no assunto. Mas teve vezes que eu não tive voragem de dar o bote. Acontece.

E, com muita vergonha, admito que ainda sou um pouco assim. Ainda não tenho a frase mágica que antecede a trilha sonora romântica. Ainda rodeio, rodeio, rodeio, e deixo para dar o bote quando tiver quase certeza da vulnerabilidade da vítima. Eu já tentei sondar amigos, perguntar para as mulheres, mas parece que é uma espécie de maçonaria, se você não sabe, nunca vai saber até ser convidado por alguém. Já comprei livros, DVDs, assisti palestras de gurus e nada. Já tentei até ouvir conversas escondido pra tentar flagrar o exato momento, mas foi tudo em vão. Mas ainda desconfio que nada disso exista e que as pessoas me digam isso só pra rir de mim pelas costas. Só pode.

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