A poesia que há nas banalidades

A única maneira de atingir o que a minha concepção meio esquisita admite como o máximo do sucesso pessoal é conversar trivialidades com Tom Zé.

Nada de perguntas sobre as influências tropicalistas no último disco ou os meandros do seu processo criativo. Só os detalhes poderiam ratificar a minha devoção por esse mago da música brasileira, acaso ela precisasse de algum tipo de confirmação. Que poesia que ele capta das cenas banais que eu vejo todos os dias sem nenhum espanto? Como sua sensibilidade se comporta sem nenhum estímulo óbvio?

O óbvio é cansativo, fora de moda, não combina com Tom Zé, que é o velhinho mais contemporâneo – seria melhor dizer atemporal? – que eu já amei na vida. Fora que as banalidades são na verdade as propulsoras das coisas magníficas, como uma maçã caindo na cabeça de Newton. São as banalidades que guardam a poesia, aquela sem grandes gestos, que só penetra a quem está distraído demais para racionalizar qualquer coisa.

As cenas banais, como nós duas descascando mexericas numa tarde pacata de sábado, são melhores que Camões e Drumond, são essa poesia sossegada que eu gosto de ler antes de dormir. Entre dezenas de prédios onde pessoas gritam – brigando ou comemorando, nunca saberemos – outras pessoas vão embora, voltam, lêem, choram, riem, dormem, e nós só nos apressamos em viver.

Do outro lado da cidade há alguém se suicidando. Algumas centenas de casais tendo orgasmos. Alguém, em algum desses apartamentos, está vendo um filme repetido porque não tem nada melhor pra fazer. Do outro lado do continente há um golpe militar em curso. E do lado daquela janela há alguém fazendo as malas porque simplesmente cansou.
E nós estamos aqui, ouvindo as árvores, os gritos vindos daquela janela e descascando mexericas.

Nós somos trivialidades; isso não pode ser outra coisa senão poesia.

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