Ciúme, o ladrão de felicidade

Tente materializar a cena que vou descrever. Você e seu namorado(a) estão tomando um aconchegante café-da-manhã e sem aviso prévio outra mulher senta ao lado dele e dá uma gostosa fungada no cangote. Outra cena, ele está chupando você com todo o gosto do mundo até perceber que a vizinha gostosa o abraça carinhosamente ao mesmo tempo. Imediatamente o empurra chamando-o de canalha.

Esse é o mundo interno que os ciumentos habitam, sempre ameaçados por um terceiro imaginário que espreita ali na esquina um plano para “roubar o que é seu”. O ciumento sem que perceba está como um cachorro obcecado pelo osso ao invés de se divertir correndo pelo quintal. Se a hipótese de um terceiro é o combustível (para briga e desejo) da relação algo está bem fora de lugar na vida desse casal. Não viverão de modo suave, mas cercados de certificações e checagens. A ideia antiga de que um pouco de ciúme é saudável para um relacionamento foi perpetuada para dar aos casais espaço de alimentar esse tipo de imaginação destrutiva.

A realidade mental que o ciumento constrói é a de alguém que será invariavelmente deixado de lado. A pessoa ciumenta não compartilha com tranquilidade da vida do outro, mas vive numa tentativa silenciosa de controlar os seus passos ao mesmo tempo que quer validação constante do respeito, da reciprocidade e de um amor sem limites.

Curiosamente, não importa quantas provas de amor que se dê, o ciumento guardará a desconfiança fundamental de que não pode ser amado com exclusividade. Em seus delírios mais secretos sempre existe uma terceira pessoa que irá ser mais interessante, atraente e inteligente que ela. Seu perfeccionismo que tenta preencher cada espaço emocional sem que haja nenhuma brecha para dúvida, incerteza ou vulnerabilidade cria a tão conhecida insegurança. Mas a insegurança do ciumento não é daquela criança perdida no shopping, mas de quem ainda não conseguiu executar por completo o plano de dominação da alma do parceiro. É a insegurança carrasca que submete a pessoa amada a expor sua vida como se estivesse totalmente nua e rendida só para tentar acalmar os ímpetos de quem não se basta na sua autoestima.

O verdadeiro ciumento nunca perceberá, mas em sua imaturidade emocional, não deseja a felicidade do outro já que tenta enjaular ao seu lado todas as possibilidades de realização. Se o parceiro quer se divertir com os amigos, ser feliz no trabalho, almoçar com a mãe, brincar com o sobrinho ou sorrir para uma amiga imediatamente sua fúria desmedida vem à tona e castra aquele momento comum que se torna pauta de intermináveis discussões. O preço de se viver um amor maduro, autônomo e livre de imposições castradoras é sempre um grau de impotência, incerteza, ambiguidade e vulnerabilidade. Quatro fantasmas que estamos pouco habituados a encarar e administrar.

O ciúme, portanto, não é sinal de amor, mas apego, exagero, inveja e controle sem medidas. Quem dera pudesse se concentrar na qualidade da própria vida, na fluidez da relação, na generosidade de se ver como um presente para o mundo. Assim seu parceiro não precisaria ser controlado, mas naturalmente sob a força de uma presença tão magnética inevitavelmente voltaria com alegria para se refrescar como faz um beija-flor no bebedouro. O ciúme cria mentalmente o que mais tenta destruir: o abandono inevitável.

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