Como seria minha vida com um outro apelido…

Quando eu era criança, na década de oitenta, – sim, apesar de não existir provas, de fato existiu uma década de oitenta – os apelidos começavam a deixar de ser somente uma identificação para se tornarem parte da personalidade das pessoas. Antes restritos aos mafiosos, criminosos, jogadores de futebol e políticos nas décadas anteriores, nos anos oitenta eles começaram a invadir a classe média. Apelidos como cabeção, dentinho, mosquito, fininho, quatro-olhos, roliço, capacete, alemão, negão, tiziu, entre outros, subiam os elevadores e se alojavam entre os Master System e as TV acopladas com videocassete nas salas da classe média.

No início a gente ficava meio chateado, mas depois se acostumava. Raros eram os apelidos que nos satisfaziam e nos orgulhavam, como cachorrão (sem conotação sexual), martelada, tubarão ou pé-de-mesa (com conotação sexual). Mas aprendíamos a ser o caniço, o free-willy, o cabide ou o brinquinho. E, claro, os Rambos, Touros, Pitbulls ou Rivelinos eram muito mais felizes e autoconfiantes que nós, mirolhas, chupetas de baleia, zoinho ou dumbos. E eu cresci sonhando em uma infância mais feliz, onde eu mesmo escolheria meu apelido, e seria respeitado por ele e as garotas babariam por mim, sem sequer me conhecer pessoalmente, só pelo apelido. Qual garota rebelde e louca por aventura não adoraria namorar um Chacal ou um Martelada? Eu por exemplo, que já tive apelidos como sapinho, cabide, mosquito, salsicha, sonhava em alcunhas como Bruce Lee, Chacal, Dragon, Matador, Léo Alicate, Leozinho ranca-dedo, Navalhada ou Long Dong Silver.

Aí veio a internet. No início, nós éramos nós mesmos, com nomes ou corruptelas dos nomes, como Léo, Bia, Gu. Depois, os nicknames ganharam poder nas salas de bate papo de no MIRC (alguém lembra?). E então, nós, jovens humilhados pelos apelidos dados antes de existirem direitos humanos, o politicamente correto e a Márcia Goldschmidt pra nos defenderem, agora tínhamos o mundo em nossas mãos: poderíamos ser os senhores do nosso destino! Tínhamos o poder de nos auto-apelidar, e o melhor, todos iam nos chamar assim, pois em pouco tempo os nicknames migraram para a vida real. Com o amadurecimento e a saída da adolescência, eu comecei a escolher nicks que condissessem com a minha idade, como Sideshow Bob, Tong Pho ou Marty McFly. Coisa de adulto. Eu não canso de falar que hoje em dia as crianças e os jovens são muito mais felizes podendo crescer com apelidos escolhidos por elas mesmas.

É comum você ver adolescentes magrelos, gordinhos ou nerds se chamando de Red Dragons, picadinho, Tripé, Killer ou Skywalker. Parece bobagem, mas a minha vida teria sido bem melhor e eu teria poupado anos de análise se em vez de Salsicha ou Mosquito, eu tivesse sido o abre-bucho ou o Chuck Norris. A culpa do limbo da geração de oitenta é toda dos apelidos. Aposto que se o Doutor Silvana ou o Sylvinho Blau Blau tivessem tido apelidos decentes e respeitosos, eles teriam tido muito mais sucesso. A culpa não foi deles. E se eu tivesse sido o Scorpion ou o Pé de Mesa, com certeza nesse momento eu estaria nas Ilhas Gregas. Tomando Mojitos servidos pela Gisele Bundchen e pela Patrícia Poeta, que teriam tido, nesse futuro paralelo, apelidos como Garça ou Vara de Pescar na infância, e acabariam garçonetes imigrantes ilegais.

Comentar sobre Como seria minha vida com um outro apelido…