É tão difícil assim não trair?
Eu lembro até hoje da primeira descoberta dolorosa da minha vida. Era véspera de Natal e eu tinha acabado de completar seis anos de idade. Toda a minha família estava hospedada num hotel-fazenda no interior de São Paulo e eu percebi que há algum tempo minha mãe ensaiava um diálogo só comigo. Na primeira oportunidade, ela me pegou pelo punho e, caminhando, disse em tom sereno:
– Duda, nós precisamos conversar.
Intrigada, perguntei o que havia acontecido e ela começou a ensaiar o discurso:
– Sabe o que é, minha filha? É que o Natal é uma data muito importante e tem algo que você precisa saber sobre o Papai…
Para evitar maiores constrangimentos, eu, sempre diplomática e simulando maturidade, a interrompi, enfática:
– Eu sei, mãe. Papai Noel não existe. Não precisa me contar.
Aliviada por ter se livrado da árdua tarefa de decepcionar uma filha, minha mãe sorriu surpresa e disse que eu poderia voltar a brincar. Eu voltei. Voltei mas não era a mesma.
Eu não sabia que o Papai Noel não existia. Eu desconfiava mas não sabia com certeza. Saber da minha própria boca foi um baque. Ao mesmo tempo em que aquela informação me tornou a poderosa portadora de um segredo a ser escondido dos mais jovens e inocentes, ela também me fez perceber que eu fui enganada durante seis anos da minha vida, assim, a troco de nada. Me senti impotente.
Desde então, aquela sensação de impotência se repetiu em algumas decepções do meu crescer. Foi exatamente assim quando eu descobri que as pessoas traem. Não que eu não soubesse antes. Eu já desconfiava. Só não sabia com certeza. Saber foi um baque. Percebi que fui enganada durante muito tempo da minha vida, assim, a troco de nada. Me senti impotente novamente.
Eu não acredito que a monogamia seja o modelo ideal de relacionamento e nem quero entrar nesse mérito. Só quero dizer que ainda me sinto aquela criança à espera do Papai Noel quando vejo pessoas que firmam pactos de monogamia o descumprindo sem mais nem menos, como se manter-se fiel a quem te ama fosse a mais árdua das tarefas impostas ao ser humano.
Vejo pessoas justificando traições com os mais esdrúxulos – e muitas vezes machistas – argumentos e fico me perguntando por que existe essa tendência de relativizar a traição a chamando de deslize, vacilo ou escorregão como se o simples pacto de não se relacionar com mais ninguém durante um relacionamento fosse um desafio que carrega mais dificuldades do que passar no vestibular de medicina, terminar um doutorado ou aprender mandarim.
Resistir às intempéries de um relacionamento não é tarefa fácil, concordo. As pessoas mudam, as chamas se apagam, a convivência desgasta a paixão e só quem tem paciência e disposição para um relacionamento sereno resiste bravamente a todas essas mudanças de temperatura e pressão. Ainda assim, existem muitas opções menos canalhas do que a traição. É possível conversar, se alinhar, se ajustar e pasmem: até terminar.
Mais difícil do que contornar as tempestades que invariavelmente abalam os relacionamentos é ter a frieza de ser canalha com quem te ama. Traição não é vacilo nem escorregão. Traição é uma dura e amarga decepção para quem a sofre. Por isso, deixo aqui minha singela e honesta sugestão: se for para escorregar, escorregue enquanto é tempo. Para fora da relação.
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