Ele é perfeito, mas ele não é você
Ele é perfeito. Pelo menos é o que todos dizem. Ele é bonito. Acho que é tão bonito que não existe nenhum padrão de beleza que não o considere anatomicamente perfeito. Quando deito no colo dele a minha mão não amortece como acontecia quando eu insistia em tentar me encaixar em você. Ele também não reclama que o ossinho do meu quadril incomoda quando sento no colo dele. E ele também nunca bate a testa contra a minha quando me beija. Lembra da cicatriz que você deixou do lado esquerdo da minha sobrancelha?
Ele é perfeito. Pelo menos é o que todos dizem. Ele é inteligente. Acho que ele engoliu uma enciclopédia quando tinha 5 anos. Ele sabe coisas que você jamais saberia. Lembra quando você achou que o Dégas era o cara que pintava as ninféias que eu adoro? Pois é, ele sabe que este é o Monet. E ele também sabe que o Monet, e não o Da Vinci, é meu artista preferido e, por isso, nunca me deu um cartão cafona com estampa da Monalisa.
Ele é irresistível. Acho que é impossível brigar com ele por muito tempo. Aliás, ele não tem a sua teimosia. Pelo contrário, ele nem precisa teimar (ou como você diria: não é teimar, é argumentar) porque dizer sim para ele é tão fácil.
Ele é simples e aberto para a vida. Café da manhã em Paris? Ele diria “oui”. Ele não ri das minhas ideias, não bate o pé para comer sempre o mesmo prato nos restaurantes. Com ele tudo é tão fácil que ele nunca briga comigo quando eu quase coloco fogo na casa sem querer tentando fazer misto quente às 2h da manhã. É, eu fiz isso de novo. Mas ele só riu, nem se desesperou para pegar o extintor no corredor porque ele viu que era só fumaça. Eu não disse que ele sabe de tudo?
Ele tem a voz firme e rouca, nada parecida com a sua, insistente e bruta para abafar a minha. A voz dele é mansa e acho que ele nunca bateu um recorde de competição de trava-línguas. Ele também não consegue dizer 70 palavras por minuto – lembra quando eu contei as tuas palavras? – mas as poucas palavras que ele fala são doces e suaves.
Ele tem os olhos castanhos e escuros que não lembram em nada os teus olhos azuis profundos. Ele tem o olhar manso e cheio de vida. Ele me olha como uma criança olha para o presente de Natal que está prestes a desembrulhar numa manhã quente de dezembro. O olhar dele é diferente do seu que me desafia e me engole viva.
Ele não me enlouquece, não me faz parar o carro no acostamento no meio da estrada só para dizer “te amo”, ele não me faz chorar e sorrir com apenas duas palavras. Ele não me faz passar uma noite inteira acordada para garantir que o corte na sua cabeça não sangre de novo. Aliás, ele nunca faria a besteira de tropeçar no criado-mudo chegando de uma noite de festa porque ele é anatomicamente perfeito, lembra?
É. Ele é perfeito. Mas ele não é você.
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