Gosto dos Stones, mas também do Timberlake

Amigos cabeludos do rock,

Escrevo, agora, com certa apreensão, para fazer uma importante confissão. Eu que já fiz aula de guitarra, que já sonhei em fazer parte de uma banda de metal e que sempre acordo meus vizinhos com os riffs de algum bom e velho rock n´roll, assumo: na semana passada baixei o último álbum do Justin Timberlake. Baixei, ouvi e gostei. Por favor, meus caros amigos roqueiros, não quebrem a guitarra na minha cabeça, não tentem enfiar uma baqueta no meu cu e, na hora do mosh, eu imploro, não me deixem cair de cara no chão. Eu ouvi o som do Justin e gostei, só isso. Qual o problema? Não me olhem com essa cara! Eu não disse que gostei do discurso do Hitler ou que apoio as palavras do Feliciano.

Antes de dar o play, certifiquei-me que a agência já estava vazia, afinal, não queria correr o risco de ser flagrado ouvindo o Justin no mesmo computador que uso para disseminar e-mails com conteúdo pornô para o resto da empresa. Em caso de flagrante, consigo imaginar, com a clareza de um pesadelo, as piadinhas que meus amigos publicitários e demoniacamente criativos fariam no dia seguinte. Arrisco dizer que mandariam imprimir uma máscara do Justin para cada funcionário da corporação, apenas para me zoar. Tenho certeza que até nossa simpática cozinheira mexeria o arroz sem tirar a máscara. Logo ela que, nunca, nem em pensamento, ousou usar luvas ou tocas para impedir que cabelos e germes coexistissem harmonicamente com o feijão.

Não foi fácil. Esperei o último funcionário sair da agência, aguardei quinze minutos (ele poderia ter esquecido algo) e, só depois de ter certeza que estava só, ainda com medo de algum espírito zombeteiro e fofoqueiro invadir minha sala de maneira abrupta, dei play no álbum pop. Mesmo sozinho, a princípio, ouvi bem baixinho, como se estivesse ouvindo o disco da Xuxa ao contrário. Escutei com a mesma sensação de culpa que sentia quando roubava e fumava as bitucas de Charm manchadas de batom que minha avó deixava no cinzeiro. Na primeira música, senti-me um Judas por estar traindo o rock. Porém, depois de aumentar o volume, de ouvir o resto do álbum e de perceber que aquele som era interessante, fui capaz de perceber o quanto o preconceito é capaz de nos afastar de bons conteúdos. Percebi o quanto o preconceito nos limita e nos torna pessoas unilaterais.

Até entendo o ser que ouviu e não gostou, afinal, gosto é gosto. Porém, mesmo sem ouvir, muitos andam dizendo que não gostam disso ou daquilo. Aí complica. Como é possível avaliar um som sem nunca tê-lo ouvido? Já sei: você diz que não gosta do som do cara por ele ter feito parte do Clube do Mickey! Acertei? Não! Então diz não gostar do som dele por saber que sua namorada colocaria chifres em você se ele dissesse “sim”? Também não? Então só pode ser por causa do `N Sync. É isso? Esqueça essa porra toda, irmão! Esqueça o que pensa do cara e dê uma chance pro som. Aperte o play, ouça e se não gostar: volte correndo pro álbum dos Stones.

Não estou dizendo para mandar bordar o nome dele no verso da camisa do seu time, no lugar de “Chicão”. Não é isso. Curtir o som do cara não significa ter posters dele sem camisa espalhados por seu quarto.  Para gostar do som do Justin, não é necessário tatuar o rosto dele em sua nádega esquerda. Para gostar do som do Timberlake, basta ouvir e achar aquilo interessante. Independente do gênero musical e do passado dele.

Aliás, talvez você até já goste do som do Justin Timberlake e não queira assumir isso para não frustrar as expectativas idiotas do mundo, dos seus amigos machistas do churrasco e das mulheres ocas que deseja impressionar. Talvez, você seja mais um daqueles que, no facebook, não compartilha aquilo que realmente curte e sim o conteúdo que fará com que te vejam como quer ser visto. Talvez, você seja mais um daqueles que, mesmo sem gostar, compartilha um vídeo do Slayer só para fazer com que te vejam como um machão insensível. Ou, pode ser que você seja do tipo que compartilha Chico Buarque, mesmo sem conhecê-lo, só para pagar de cara sensível e para ganhar um pouco de açúcar e afeto. Cuidado para não virar um cara sem gostos próprios e que só ouve aquilo que esperam que ouça.

Se depois de tudo isso ainda não mudou de ideia e ainda está me achando um lixo por ter elogiado o som do Justin, saiba que não sou o único capaz que capaz de curtir rock e pop ao mesmo tempo. Veja a confissão do Slash e de outros roqueiros:

Obs: no texto acima, sempre que escrevo “Justin”, refiro-me ao Timberlake e nunca ao Bieber.

Obs²: se você é dono de alguma gráfica, por favor, diga que não aceita pedidos de máscaras do Justin Timberlake.

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