Homens e post-its
Homens são post-its. A luz desse extraordinário conhecimento atingiu o meu terceiro olho em um momento de branco literário. E mesmo que algum intruso invada meu escritório e ache indecifrável aquele atropelo de papéis espalhados por dois metros quadrados, a organização deles faz sentido. Faz total sentido.
Na cabeceira, ao centro, acima da tela do computador, encaram-me diariamente os post-its que carregam os bancos em que tenho contas, suas agências, números e senhas. Tomam conta de mim e da minha vida financeira. Me dão a (chave de) segurança que uma garota procura e a esperança de que tudo vai dar certo quando eu ligar no fone fácil. Praticamente meus paist-its.
À direita, como o nosso cérebro, o lado organizado da minha parede. Alinhadíssimos, estão as contas fixas, os horários das aulas de academia que pretendo fazer e nunca faço, calendário do ano com feriados, senhas das redes sociais – até aquelas em que fucei apenas uma vez por curiosidade ou impulso humano e nunca mais vou ligar, mandar mensagem, porque não interessou, não bateu aquela química, sabe? Post-its de exatas, que provavelmente só lançamos olhares depois de desilusões amorosas com os post-its da Praça Roosevelt. Os da direita são tediosos, mas necessários. Diariamente troco uma ideia com eles pra checar se posso adicionar mais um curso à minha vida, se tem vaga na garagem, onde acho um bom serralheiro, qual lâmpada comprar pra substituir a que queimou no abajur da sala.
À esquerda – ah, como adoro! – são os meus projetos, os sonhos, o trabalho novo, o incerto, o desejável, o misterioso. Fotos sublimes de garotas em máquinas de escrever, uma delas com uma gatinha preta exatamente curiosa como a Jojô; nome dos meus alunos, dia e horário em que devo encontrá-los nos Skype; dicas de inspiração que passo pra eles e que também uso, pra que nunca me esqueça de que estou sempre aprendendo; ideias desgrenhadas pra novas colunas, um possível livro, a peça de teatro e alguns projetos que meu coração ainda vai se encarregar de realizar. Os de esquerda estão sempre em transformação, partindo, chegando. Não ficam no mural por muito tempo, porque são voláteis e inquietos e apaixonantes. Já me acostumei, quando eles se vão, abandonam buracos de percevejos pra causar saudade. Meus post-its de esquerda, tenho certeza, que fumam um beque de noite, enquanto assistem a algum show do Alabama Shakes no canal Bis.
Sobre a mesa, expostos, exibidos, assanhados, prontos pra serem usados, os decadentes post-its amarelinhos, aqueles logados no post-tinder que descarto sem dó, como uma camiseta que custou dez reais e vai pra academia, pra cama, pra praia e pro chão, nunca pra um jantar de primeiro encontro. É destacado do seu grupo ciente do inevitável destino: o lixo (ao menos) reciclável. Alguém, espero, há de querê-los como um dia eu quis. Por que não virar agenda com frases de poetas tipo Mario Quintana?
Por fim, dentro de uma caixinha linda, quase perfumada de tão rica, os post-its que ganhei do amigo com temas de bar, os que comprei em Roma (ah, Roma!) com aquela pegada romântico-renascentista. Esses guardo como minha avó guarda enxoval: limpos, agasalhados, escondidos e virgens. Nunca vou usar. Nunca vou mostrar pra ninguém, porque não suportaria me desfazer de nenhum deles, caso o intruso do escritório me pedisse me-da-unzinho-são-tão-lindos-você-já-tem-tantos. Sou ciumenta, possessiva, se quer a minha amizade, não se meta com esses post-its. Eles são aqueles em quem a gente esquece o olhar em cima, de vez em quando. Mas não exagera na contemplação pra não desgastar a beleza que existe em certas distâncias. Platônicos-its.
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