Já que não deu certo

Eu desci do carro e dei de cara com você. Fazia semanas que não te via mais e foi impossível não congelar. Te abracei, dei um “Oi” desajeitado e perguntei como estava, daquele jeito super automático. Enquanto isso, tentava te analisar e aproveitar o brilho dos teus olhos pelos poucos segundos em que pude. Como as coisas foram acabar desse jeito, menina?

Você sorriu para mim como sempre e seguiu seu caminho. Eu voltei correndo para dentro do carro: gelado, branco que nem um fantasma, suando frio e de coração acelerado.

– Só dirige! – disse pro meu amigo que estava no volante.

Só dirige, pois eu preciso de uns minutos para me recompor. Só dirige, enquanto eu vou colocando meus pensamentos em ordem. Dirige, já que você pode, pois a direção da minha vida eu já perdi tem um tempo. A vida nos separou, menina. Eu me afastei sem ao menos ter te dito uma vez sequer que na verdade eu sou apaixonado por você. A gente e essa idiota mania de jogar com os sentimentos. Sempre me pareceu que ia acontecer a qualquer momento. Desde o primeiro beijo, tímido e estranho. Eu era um substituto naquela noite. Você sempre foi uma titular pra mim. Mas apenas no ideal, uma titular que jogava por outras equipes. Um dia eu ia te contratar para jogar com a minha camiseta velha com um 10 atrás. E a nossa história foi ficando intensa, nossas brincadeiras mais provocativas, nossos sorrisos mais próximos. Criamos a nossa turma, enraizamos o nosso jeito, deixamos todo mundo achando que tínhamos um romance secreto por trás disso tudo.

E não tínhamos?

Para mim tinha, menina. Será que para ti também?

Os anos passaram e a gente teve que se distanciar. A gente teve. A culpa? Deixa que eu assumo essa, menina. Assumo por ser homem para assumir que fui um rato de encontrar uma solução que sempre condenei para esse tipo de problema. O nosso problema fica subentendido, você sabe que eu sou maluco por dramatizar. Como soldados lutando na guerra, meu código é simples. Se você decodificar a mensagem, curte uma foto nossa do passado. Ao menos que seja para aliviar um pouco essa minha agonia de ter feito tudo errado e jogado as nossas chaves fora.
Bom, melhor deixar pra lá.

Esqueci que só eu dou significado pra esse tipo de bobagem.

Mas já que a gente não se fala mais, esse é o jeito que eu encontrei de te pedir. Me diz que você ainda guardou um pouquinho de sentimento por mim, mesmo sabendo o pateta que eu sou. As coisas não vão mudar, menina. Alguns destinos quando são selados, não tem caminho de volta. Peguei uma estradinha de via única e nem quero retorno. A questão são as memórias. As nossas memórias que eu não quero apagar. Nem que seja para ter a ilusão de que um dia vivemos felizes, desejando estarmos juntos, acreditando que faltava uma festa ou duas para acontecer o segundo beijo.
Foi só um. Você mesma não lembrava direito disso da última vez que falamos, mas nós nunca tivemos um segundo beijo. Talvez foi melhor assim: ímpar. Único. Singular. Um beijo desajeitado, tímido, estranho. Um momento quase perfeito, inocente em seus defeitos.

Essas palavras não são uma carta de culpa ou um pedido de perdão. Não são uma divagação sobre uma possível virada de mesa ou uma solicitação sufocada de uma cartada nova. Essas palavras são apenas o meu desabafo sobre um sentimento que foi ignorado e que merece, no mínimo, um breve reconhecimento.

E aqui estou eu, reconhecendo para você: eu te amei. Secretamente, anunciando com olhares, me recusando a dizer. Eu te amei, menina.

Mas já que eu nunca falei e o destino tampouco nos trouxe o segundo beijo, ficou tudo assim por ser dito.

Eu achava que isso estava no pacote de coisas fadadas a acontecer, não importando o tamanho da minha negligência e da minha estupidez.

Mas já que não deu certo, me resta apenas lembrar.

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