Mudar não é futuro, é também passado
Meu escritório virou almoxarifado. As caixas se acumulam e me trazem a sensação de que carrego coisas demais. O namorado me olha e diz “acho que subestimamos nossa capacidade de acumuladores”. E nós rimos. E as caixas continuam ali, empilhadas e cheias de partes de mim. Estou de mudança.
Já ouvi que depois de três mudanças você passa a ter em casa apenas o que é realmente necessário. Não sei quantas toneladas já foram para o lixo desde a primeira, mas sei que cada papel é uma viagem no tempo. A vida passa rápido demais e não existem caixas suficientes para guardar as experiências de alguém – por uma semana ou por um ano, tanto faz.
O meu despego com o guarda-roupas e com a caixinha (pequena mesmo) de maquiagem é inversamente proporcional ao sentimento de gratidão que sinto por cada coisa que eu guardo na estante e no peito.
Ontem, empacotando o que as minhas gavetas generosamente escondem de mim, sofri muito. De saudades, de verdades, dos encontros e desencontros que eu vivi e insistem em me fazer chover por dentro. Do bilhete que meus pais me escreveram quando leram meu primeiro texto no jornal, das cartas entre as amigas da escola e da faculdade, das fotos com a afilhada que eu não vi crescer. Tudo sou eu. Tudo vai comigo onde eu for – num apartamento maior ou na esquina comprar pão.
Trocar de casa é perceber como mudar dá trabalho. Que mudar não é só olhar pra frente e fazer um novo desenho, mas é olhar pra trás, sentir saudades, saber o que de você é o que você quer ser. Mudar é se livrar do que dá, mas manter sempre o necessário para viver e ser completo.
É por isso que eu não acredito que uma pessoa mude de hoje para amanhã. Nem a mim. A decisão da mudança pode ser imediata, mas a verdade por trás dessa decisão só acontece com o tempo. Depois que cada pepelzinho do lar que somos todos nós é revirado do avesso, sentido e, aí então, guardado ou descartado.
Mudar também é jogar fora as mágoas que o tempo permitiu apagar. Porque na hora de mudar você percebe que muita coisa que era indispensável se tornou um peso que você não quer carregar. Às vezes pode ser só mais uma caixa, mas você já tem tanto, não é?
Mudar é sofrer ao mesmo tempo a tristeza do luto e a alegria do nascimento. Mudar é ter pra onde ir, mas perceber que o que você carrega não é apenas a louça ou a saudade, mas é também as fotos da infância e a vontade de começar de novo.
Estou de mudança porque o mundo é um lugar maior do que os meus 54 metros quadrados de apartamento. E também porque chegou a hora de olhar para o dia que vai amanhecer de outra janela. E com os outros olhos.
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