O emprego dos meus sonhos não estava me fazendo feliz

Entrei na sala do diretor e disse “quero sair”. Não foi impulsivo. Era algo em que eu pensava há muitos anos, pelos menos uns três. Mas aí chegavam as contas, aí tinha aquele exame de mil reais que faço todo ano, aí tem a cesta básica, o plano de saúde, o vale alimentação, a parcela do carro, a academia, as roupas, o ingresso do cinema, a gasolina cada vez mais cara. E assim fui ficando, secando, desanimando de um emprego legal.

Eu era roteirista – aliás, ainda sou. Eu escrevia um programa legal. Um reality show legal. Sobre moda. E moda é legal. Mas eu não sou a alma-gêmea da rotina. Tenho uma certa crise de ansiedade de saber que de janeiro a dezembro vou estar em tal lugar toda segunda-feira. Não gosto de acordar todo dia no mesmo horário, tomar banho no mesmo horário, pegar o trânsito no mesmo horário, bater ponto no mesmo horário. Aliás, odeio bater ponto. Não há nada que eu ache mais imbecil do que se sentar em uma cadeira para ser vista pelo chefe e não ser mal falada. Falem mal do meu trabalho, não da minha pontualidade ou assiduidade. À merda com tudo isso.

A gente nasceu, certo? Ninguém pediu, mas nascemos, então vamos viver. Vamos estudar, trabalhar, procriar, comer, se exercitar. Mas por que eu tenho que fazer tudo como todo mundo? Eu gosto de escrever de tarde, mas a partir do momento em que me acostumo a dizer ou pensar nisso, passo a escrever de manhã, ou de noite; esse é o meu inconsciente me ensinando que nada é definitivo. E pode ser que um dia eu tolere ou me encante por uma rotina, pelo cartão de ponto. Mas no momento, não.

No momento, quero poder escrever um curta-metragem uma hora por dia; terminar meu livro em uma semana; ir ao cinema de quarta ou segunda, sei lá; quero poder almoçar mais cedo, acordar mais cedo e terminar um frila bem cedinho antes do café; quero gravar um vlog sobre o ócio ou sobre viagem. Quero ser outras coisas, não só a escritora. Eu posso ser cantora, não posso? Eu posso tudo. Descobri, depois de sair do emprego legal, que é muito legal também ter um pomar dentro de casa, fazer massagem na gatinha que eu adotei, correr com meu cachorro gordinho, ali na avenida na hora que eu quiser, tomar um cafezinho com as tias de tarde e ler um livro antes do almoço na frente do ventilador e viver com bem menos grana do que eu vivia. Fica mais fácil olhar pro que é realmente importante na minha vida quando o dinheiro não me comanda.

Por isso eu já passei quando era mais nova. E sobrevivi. Eu posso superar uma conta bancária mais escassa. Eu posso não comprar tanta roupa, não beber tanta Heineken. Eu não me arrependo de ter saído do emprego legal. Eu me arrependeria, se nunca tivesse tido coragem. Se deixasse que o meu bolsa-trabalho me fizesse infeliz. Um professor da minha faculdade, dizia pra gente nunca trabalhar em televisão, porque ele tinha a impressão de que todo mundo que trabalhava em TV tinha a cara triste. Não é verdade. A gente se diverte. E cansa. E vive na pressão, na espera de surpresas. Mas eu preciso de um respiro da TV. Preciso me desafiar. Preciso exercitar o que o desânimo da rotina me impediu. Preciso dar uma pirada. Mesmo que fracasse. Mas eu não vou.

Porque eu estou feliz. Tenho um jardim, um computador e pássaros na minha janela. Tenho livros pra ler, ideias e disposição. Só não tenho muito dinheiro no momento, mas tudo bem, eu tô feliz e cheia de vontade e com aquela sensação de que posso dar um abraço de urso no mundo. E isso é muito mais legal que qualquer emprego fixo, qualquer salário caindo todo mês. Isso é a coisa mais legal do mundo.

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