O que resta do amor depois da euforia

Estar apaixonada facilita as coisas. Textos de amor são tão digeríveis. Eu não precisaria de rimas ou metáforas ricas: o amor, por si só, é poesia, mesmo em prosa.
Mas, veja bem, eu não estou apaixonada. Há muito tempo não deixo que ninguém permaneça, e não sei bem o porquê; não é um exercício de desintoxicação do romantismo (não me presto a isso), é só uma impotência permanente para a doçura.

Tenho enxergado o mais fútil das pessoas – dos homens, especialmente – como se nenhum deles pudesse me desafiar tanto a ponto de me arrancar do tédio e da preguiça de construir um amor. O amor é uma decisão, e digamos que eu ainda não tenha me decidido.

Mas não me sinto um poço fundo de insensibilidade. Ao contrário: todas as pequenas coisas me tomam, cada pequeno detalhe do cotidiano que escolhi. Hoje, por exemplo, uma música me possuiu nas primeiras horas do dia. Foi como estar apaixonada.

E neste exato momento, esse livro me possui. Minha alma é frequentemente emprestada a qualquer sentimento banal que descubro, e não sobra espaço para o mais sublime, aquilo por que todos anseiam, o sentimento mais idolatrado do mundo, o amor. Mas agora, por não sentí-lo, talvez eu possa pensar sobre. Pensa-se sobre o amor depois que ele vai embora – depois que provavelmente já se fez qualquer loucura em seu nome, já se esqueceu a sanidade.

O amor é um pouco de tudo, mas muito menos daquilo que pensamos que fosse. No final das contas, o amor cresce ao tempo em que se esvai, com uma proporcionalidade louca e inútil.

Não sei se me faço entender. É difícil falar de amor.

O fato é que ele é devastador até ser descoberto nos detalhes. Torna-se calmo, quase entediante, rápido demais. Depois das conchinhas, das sessões de cinema, das viagens, dos porres, da intimidade sólida e inevitável – onde estão as borboletas no estômago? Elas se foram. E quando elas se vão, arrisco dizer, o amor entra em cena. Antes disto, é a mera empolgação inicial do que viria a sê-lo, em algum momento.

Todo tremor apaixonado é a espera, é a loucura, é o flerte, é a dança com aquilo que se espera do amor. Mas toda esta dança é tão envolvente que, quando a doce espera termina, o que sobra nos parece menor, tão lúcido, tão calmo e tão comum que, quem diria: então é isto o amor?

É decepcionante, quase sempre, o amor cotidiano. Queremos outras danças, outras borboletas, outras esperas, outra loucura. Queremos qualquer coisa minimamente empolgante.

Talvez o amor seja mesmo algo que se possa aprender ao longo da vida. O amor comedido, controlável, quase mudo. O amor real. Todo o resto, é a busca; a deliciosa busca pelo pote de ouro no fim do arco-íris que, uma vez alcançado, faz-se fosco e indesejável.

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