Os cômodos do meu coração

Em certo capítulo do passado, eu assumo: tive dúvidas. Tive medo também. Mas quem é que não tem? Quem é que nunca teve que respirar fundo perante uma encruzilhada emocional? Não sei se graças à imaturidade que havia em mim – e que naturalmente ainda há – ou se devido à ganância que o mundo adulto me ensinou a ter, só sei que, em algum momento já ultrapassado, eu não soube dizer, a mim mesmo, em qual cômodo do meu coração eu alojaria você. Juro que eu não sabia. Não fiz por mal. Entregar-lhe o quarto principal, aquele que pouquíssimas tiveram o privilégio de usar, pareceu-me demasiadamente precoce e arriscado. Afinal, aquele lugar – para mim – sempre foi – e ainda é – sinônimo de coisa extremamente séria.

Por outro lado, dar-lhe apenas a chave do quartinho dos fundos – aquele com colchão no chão, ventilador pifado e sem janelas – pareceu-me algo pequeno demais para o que eu já sentia por você. Então, enquanto eu respirava fundo e buscava, nos detalhes da nossa crescente convivência, a óbvia resposta para a minha indecisão, deixei você no confortável, porém, demasiadamente impessoal quarto de visitas. Deixei você lá, pois eu não queria lhe perder. Não queria, de maneira alguma, que você saísse dali. E você, felizmente, nunca reclamou de nada. Nunca, por nenhum motivo, pediu-me a chave do quarto principal ou tentou arromba-lo. Apenas se manteve, como alguém que sabia para onde queria ir, paciente. Sei que outras – muitas outras – não teriam esperado o tempo que você esperou pela minha indecisão. Porém, você – especial como só você sabe ser – ficou por lá, sorrindo para porta-retratos que não continham fotos suas e deitada na cama cujo edredom era amarelo – a cor que mais odeia. Mas ficou. Ficou até que eu percebesse que nossas viagens não se tratavam apenas de turismo “boêmio-gastronômico”.

Ficou até que eu notasse que naqueles hotéis, que muitas vezes eram bem diferentes das fotos que víamos na internet, acontecia um fenômeno raro e extremamente maravilhoso: a convivência harmônica e amorosa entre duas pessoas. Você ficou, sem reclamar, até que eu soubesse o quanto abrir mão de você – ao contrário do que cheguei a pensar – não me tornaria mais leve para voar e sim, um pássaro sem arranque e com defeito nas asas. “Como assim?”, você talvez me pergunte. Eu explico: você, muitas vezes, foi a coragem decisiva para que meus voos saíssem do papel e o pontapé na minha bunda necessário para que eu rompesse a inércia e o comodismo. “E se não der certo?”, eu lhe perguntei. “Aí você tenta de novo!”, você respondeu. “E se o meu dinheiro não permitir mais que comamos fora?”, eu questionei. “Com você, um filé de frango com purê de mandioquinha se torna o melhor jantar do mundo!”, você respondeu.

Aí veio a luz: ficar com você, definitivamente, não era deixar de ter todas as outras. Pelo contrário: ficar com você era ter todas as outras – as melhores mulheres – em uma só.

Como pude não saber se você era pessoa ideal para o quarto principal do meu coração? Só sei que eu não sabia e que você ficou, sem reclamar, no quarto de hóspedes. Ficou imóvel entre os móveis da minha indecisão infantil e os quadros que pareciam não fazer parte de nenhum movimento. Ficou e, felizmente, não saiu correndo. Até o dia em que eu, pensando em nossas raríssimas brigas e incontáveis alegrias compartilhadas, resolvi mudar, ou melhor, mudá-la de lugar. Tranquei o quarto de visitas e abri, somente para você, o cômodo principal do meu peito. E, sabe da melhor parte? O vazio foi embora.

Um vaso tão grande que não poderia ficar sem nenhuma flor dentro, mesmo que essa flor – diferente da maioria – goste mais dos cactos do que das rosas.

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