Pra fugir do resto do mundo e me encontrar em mim

Se há coisa bonita nesse mundo é a liberdade. A falta de amarras, o abrir dos braços à beira do abismo, o conselho do vento, o se jogar. Não ter medo de errar – dizem – vale mais do que não errar por medo. Eu, errante, fiz as minhas malas. Duas dúzias de roupas, uma dúzia de sonhos, meia dúzia do amor que eu tenho pra dar. A saudade, a insegurança, o apego. A vaidade, a dúvida, o conforto. Tudo isso eu juntei em trouxinhas e joguei no fundo do armário – como se sentimento fosse coisa que a gente arrancasse do peito ao nosso bel-prazer.

E fui.

Sem levar nada que me pudesse ser um fardo – por mais que fosse um fardo de alegrias. Porque alegrias passadas – ouvi dizer – não movem moinhos. E tristeza é coisa que a gente tem que deixar afogada numa bacia de lágrimas, que é pra seguir em frente e viver, matando quem um dia quase conseguiu nos matar. Peito bom pra viajar é peito leve. Peito flutuante. Peito vazio, onde ainda cabe tudo o que o mundo – e a gente – quiser enfiar.

Um medo novo – de barata, de palhaço, de caralho? – que o de altura, a essa altura, já ficou pra trás. Uma mania nova – de colecionar anel de lata, de enrolar a ponta do cabelo nas pontas dos dedos, de conversar com as flores – que minhas unhas, de tão roídas, já são finas feito folhas de papel. Um nome novo – Aparecida, Bárbara, Clara ou qualquer outro nome de santa – que essa aqui que vos fala já pecou demais.

Já chorou demais. Já falou demais. Já amou demais.

E tudo o que foi demais hoje já não importa. Porque se jogar sem intenção de voltar é, de certa forma, se redimir. Perdoar-se. Renascer. Do que ainda não virou cinzas e no mesmo corpo de antes. Um corpo cheio de cicatrizes e histórias, mas cujos vícios e virtudes, num lugar novo, ninguém ainda conhece. Um corpo anônimo e, portanto, livre. Para fazer e para ser o que bem entender

Um cowboy fora da lei. Uma profeta das massas. Um bêbado eremita. Uma pintora de paredes. Um puto de beira de estrada. Uma alpinista de montanhas. Um chapeiro de lanchonete. Uma cozinheira de boteco. Um palhaço de circo de lona. Uma ativista ambiental. Um junkie de inferninho. Uma rainha reencarnada no corpo de uma mortal.

Uma mortal. Que bota um fone de ouvido, vai à beira da pedra e recua na hora de pular na cachoeira. Um mortal. Que vai à beira-mar, tira os chinelos e pisa na areia molhada para deixar pegadas. Uma mortal. Que finalmente encontrou um abrigo seguro contra você, contra nós dois, contra todo o resto do mundo.

E que hoje, enfim, sabe que não ter medo de errar vale mais, muito mais, do que não errar por medo.

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