Quem é seu crush na fila do pão?

A vida é um grande muro de lamentações. Grande mesmo. Bem maior do que a Muralha da China – que, por sinal, é um baita dum negocião que dá pra ser visto até da lua. Todo dia e em todo lugar a gente encontra gente se lamentando. Seja por causa do ônibus que não passou no horário; seja por causa da chuva, que nos encharca os sapatos tão logo colocamos os pés na rua; seja por causa do sol, que tosta a pele e deixa a gente suando em bicas. A gente tem sempre um motivo pra reclamar. E se não tiver, a gente inventa.

Estive conversando com deus – sim, com letra minúscula – nessa última semana, e ele me confessou que o amor – ou a falta dele – é a maior causa de invocações de seu santo nome em vão. É gente reclamando porque o crush é lerdo e não toma iniciativa, gente reclamando porque o crush é rápido demais e já está em outra, gente de esquerda reclamando que o crush é reacinha, gente de direita reclamando que o crush é esquerdalha. Tem gente que nem tem crush e, ainda assim, reclama. Por que? Isso mesmo, porque não existe ninguém interessante no mundo. Porque as pessoas interessantes já estão comprometidas. Porque quando é bonito demais é cafajeste. Porque quando é legal demais tem chulé. Porque até era bonitinho, mas não sabia conjugar verbo. Porque era lindo, mas visualizava WhatsApp e não respondia.

Sabe, eu entendo que vocês achem bonito sofrer por amor – ou por crush, como diz a juventude. Afinal, foram anos e mais anos comendo pipoca com manteiga e assistindo a comédias românticas que diziam que, se ainda não deu certo, é porque não chegou ao fim. Que sempre existe um par de Havaianas – ou de Rider, se você for meio tiozão – roto pra um pé cansado. Que o parâmetro de sucesso na vida é ter, além de um bom emprego e de umas camisas hipsters pra fazer selfie no elevador, um mozão pra chamar de seu. Sei que é difícil se desvencilhar de toda essa parafernalha romântica e do sofrimento que isso traz como consequência. Que às vezes é até gostosinho sofrer, chorar ouvindo um Damien Rice, tomar um porre de vinho numa noite de sexta chuvosa. Mas acontece que o mundo não para enquanto você faz a Tony Braxton – ou a Lana Del Rey, para as novas gerações – na frente do espelho.

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Nunca gostei muito de gente que encarna a Pollyana, mas vou me apropriar do método para propor para vocês um exercício inverso. Se Pollyana é conhecida na literatura infanto-juvenil por ser uma órfã que comeu o pão que o diabo amassou e, ainda assim, enxergar aspectos positivos em tudo, agora a gente vai encarnar o branco-drama, se apegar aos nossos first world problems e ver que, ainda assim, há muito do que reclamar antes de pensar na existência do crush. Vamos lá.

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Você trabalha o tanto quanto gostaria? Provavelmente, muito mais. Ou muito menos.

Você trabalha com o que gostaria? A menos que você seja testador de travesseiros da NASA.

Alguma alma bondosa pagou o seu cartão C&A esse mês? Não, deus não me concedeu essa bênção.

Instalaram uma fonte de cerveja pública na sua cidade? Só se você for morador da Eslovênia.

A conta de água tá barata? Não.

Você ganhou um aumento? Hoje não, Faro.

A NET funcionou ininterruptamente todos os dias do último mês? Nope.

Já descobriram o segredo para comer batata frita à vontade e manter o corpão sem fazer academia? Infelizmente não.

Abdominal é uma coisa gostosa de se fazer? Não exatamente.

Você abriu sem querer o Internet Explorer e agora tem que esperar três dias úteis até ele fechar? Pode ser que sim.

Tem uma tupperware de arroz azedando na sua geladeira, enquanto alguém passa fome na calçada do seu prédio? Certamente sim.

Mal deu tempo de você faxinar a sua casa que o Katrina já passou por lá e fez um baita dum estrago? Sim. E isso acontece o tempo todo.

Sua roupa secou na lavanderia da kichenette e está cheirando a cachorro molhado? A gente sabe que sim. Não adianta negar.

Salário cai na conta amanhã? SIM! Mas acaba depois de amanhã, quando vencem as contas em débito automático? Sim.

Agora, a única pergunta que resta é: quem é o crush na fila do pão? Certamente, ninguém. Quem sofre por amor, meu bem, é adolescente. Adulto gosta mesmo é de ver boleto pago, sono em dia e casa limpa.

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