Quem nasceu pra ser Dolly nunca será Coca-Cola – será?
Não gosto de refrigerante. Acho ruim, muito doce, muito artificial. Deseducador, porque me faz arrotar em lugares públicos. Um atentado à saúde. Uma droga livremente comercializada – inclusive para crianças. Pior bebida que já inventaram na face da Terra. Eu seria capaz de passar a tarde toda confabulando sobre os mil e um defeitos – e efeitos – dessa desgraça. Mas vou parar por aqui. Porque o que me trouxe a esse assunto não foi a ojeriza ao refrigerante, mas uma lembrança de infância: o Convenção.
Que pra você – e para o dicionário – certamente significa um acordo, um pacto ou uma assembleia nacional constituinte. Mas que, pra mim, significa refrigerante. Que, como se não bastasse ser refrigerante, era genérico. E como se não bastasse ser genérico, vinha grátis quando a gente pedia pizza. E como se não bastasse ser grátis, era de dois litros. Para dividir com toda a família. Para tomar até explodir. Para passar no corpo feito Monange. Sabores? Cola, guaraná, abacaxi.
Eu vejo gente sofrendo porque no Natal, na casa da vó, o refrigerante é Dolly. E é inevitável pensar: “perdoa, Senhor, eles não sabem o que dizem”. Em primeiro lugar, porque refrigerante é tudo a mesma porcaria – da Coca-Cola à Ice Cola, do Guaraná Antártica ao Guaraná Pitchula, da Fanta Laranja à Schin Laranja. E em segundo, porém não menos importante: eu fui criada a base de genéricos. Dos produtos mais baratos disponíveis no mercado. Das réplicas malfeitas. Meu primeiro par de chinelos Havaianas era, na verdade, Ballerina. O primeiro All Star, Super Star. O primeiro celular, ZTE. O primeiro walkman, CCE. O primeiro desodorante, de uma marca verdadeiramente paraguaia cujo nome eu não lembro, minha avó comprou pra mim na Lauro Gomes, a galeria de comércio mais popular de São Bernardo do Campo – quiçá do hemisfério Sul. O creme dental pra escovar esse sorriso lindo aqui já foi, durante muitos anos, Gessy Cristal. E o detergente para lavar a louça era o que também vinha de brinde na compra da pizza – ou detergente ou Convenção; de mão abanando é que a gente não saía.
E entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Os pratos da casa dos meus pais, que continuam em perfeito estado – e em uso. Minha axila, que ainda sente cosquinhas. Meus dentes, que, por enquanto, estão aqui pra mastigar uns rangos e morder umas tampas de caneta. Porque só quem já foi – ou é – adepto dos genéricos sabe que a água de colônia da Phytoervas não é bem um body splash da Victoria’s Secret, mas que ela deixa um cheirinho que dura pelo menos até a hora de cumprimentar todo mundo no churrasco de família. Que um Leite de Rosas não é bem um tônico da La Roche-Posay, mas que ele também remove as impurezas do dia a dia e dessa cidade cheia de poluição em que a gente vive. Que um fone de ouvido Coby não é bem um headset Sony, mas que ele também salva a gente de uns perrengues dentro do ônibus.
Porque nós, que não usamos tudo do bom e do melhor, também damos os nossos pulos. Aliás, o que a gente mais sabe fazer é dar os nossos pulos. De condução em condução pra visitar todos os centros comerciais da cidade. De loja em loja pra encontrar uma roupa com um preço que caiba no bolso. De gôndola em gôndola pra achar o limpador multiuso mais barato. Que talvez não seja o mais ecologicamente correto, a gente sabe – e não pense que não dói na nossa consciência. Mas é que é o que cabe no nosso – literalmente – pobre bolso.
Você, acostumada com Lancôme, pode até achar que seu braço vai cair se um dia você se besuntar de Monange. Você, que só toma café Dolce Gusto em cápsulas, pode até achar que seu estômago vai berrar de úlcera quando o que tiver for café Cabocla no coador de pano. Você, que curte uma cervejinha artesanal – justo, justo –, pode até achar que vai morrer se tomar um porre de Bavária. Mas não vai, amigo. Confia em mim, não vai. Meu braço não caiu. Minha úlcera não gritou. Eu não morri.
Ouso ainda dizer que nós, que compramos genéricos, somos a verdadeira personificação do “quem vê cara não vê coração”. Porque a gente abre mão de ver a cara pra ver o coração. Que certamente não está na embalagem de um chocolate Pan. Nem na textura de um chocolate Pan. Muito menos no sabor de um chocolate Pan. Mas na digna tentativa de – quem sabe – um dia, ser um Milka.
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