Menina, você não vai acreditar!

São Paulo, 13 de novembro de 2020.

“Alô, Mendes?”

“Quem é?”

“É a Regina, tudo bem?”

“Tudo e aí?”

“Mais ou menos, pra ser muito sincera com o senhor. É que eu acordei com o olho esquerdo extremamente inchado e expelindo uma gosma esverdeada bem densa, tipo sangue de mandruvá, sabe?”

“Sei.”

“Acho mais seguro eu trabalhar de casa hoje, tudo bem?”

“Tudo, né? Fazer o quê?”

“É, fazer o quê? Não podemos colocar a saúde da firma em risco!”

“Até segunda, Regina.”

“Até.”

A verdade: meu olho esquerdo estava perfeito, enxergando e piscando like a boss. Meu humor é que lembrava um cu depois de uma maratona de sexo anal selvagem – e a seco – com o Kid Bengala. Não sei se por causa do furação El Chico que já estava revirando tudo dentro de mim ou se devido ao arranca-rabo que eu havia tido com a minha mãe na tarde anterior, mas, naquela sexta-feira treze, se alguém gritasse a palavra “deprê”, eu, certamente, responderia “presente”.

Abri uma caixa de Amandita, escondi-me sob o edredom e liguei a TV. Ao invés de um programa qualquer, deparei-me com uma tela preta preenchida pela seguinte mensagem: “Seu smart card está inserido de maneira incorreta”.

“NET filha da puta!”, gritei. E, movida por uma raiva imensurável, comecei a estuprar a porra do aparelhinho da NET com o smart card: enfiei e tirei o cartão mais de cem vezes. Ou mil. E nada de sinal.

“Para falar sobre TV a cabo digite o código do assinante ou o CPF do titular”, informou a gravação.

Digitei.

“Se quiser falar sobre um problema técnico aperte o número 4”

Apertei.

“Rosângela Santos, em que posso estar ajudando você?”

“A caceta da minha NET não funciona! Fica dizendo que meu smart card está inserido de maneira incorreta.”

“Compreendo, senhora. Antes de começar os procedimentos, para a sua segurança, vou estar confirmando alguns dados, tudo bem?

“Ok.”

“Qual é o nome completo da senhora?”

“Regina Marcondes Pizzato de Paula.”

“Qual é o e-mail cadastrado em nosso sistema?”

[email protected]

“Senhora, aqui consta outro e-mail.”

“Que outro?”

“Não posso dizer, senhora.”

“Como não?”

“Não posso. Esse é um procedimento de segurança.”

[email protected]?

“Não, senhora. Em nosso sistema consta outro e-mail.”

[email protected]

“Não, senhora.”

regininhaloirinha22@…

“Não.”

“Você não pode me ajudar? Hoje o meu dia está sendo uma merda e eu só quero assistir à porra da TV, Rosângela. Por favor! Tô morrendo de dor de cabeça, com as tetas inchadas e não consigo parar de comer doces. Não só isso, meu cachorro acabou de ser atropelado por um caminhão da Pepsi e a minha avó, coitadinha, ficou lelé da cuca; começou a me chamar de Lady Di. Você acredita? Ah, eu também perdi o emprego por causa do meu problema com o alcoolismo e estou prestes a ser despejada do meu apartamento. Sem contar o câncer…”

“CÂNCER?”

“É, eu descobri que só tenho mais algumas semanas de vida.”

“Sinto muito, senhora.”

“Não sinta, minha filha. É a vida. Agora, por favor, realize o meu último desejo?”

“Último desejo?”

“É, quero morrer assistindo à TV.”

Então ela começou a chorar e, entre soluços, disse:

“Senhora, eu consegui uma visita de emergência, tá? Um técnico estará chegando em sua casa em cerca de uma hora. Tudo bem? E não será qualquer técnico, vou mandar o Christian. Ele não fala bem o português, mas, sem dúvida, é o melhor que temos. Top mesmo.”

“Como assim?”

“A senhora vai estar vendo daqui a pouco!”

“Ok. Obrigada.”

Trinta e oito minutos depois, a campainha tocou. E lá estava ele, o bonitão de um comercial da Trivago que rolava direto em 2015. Tá ligada? Claro que você se lembra dele! Então, lá estava ele, de coque, barba e uniforme da NET. Dá pra acreditar? Mas é a mais pura verdade.

“Regina?”, ele disse com um sotaque estranho.

“Sim!”, respondi gaguejando feito o David Brazil.

“Qual é o problema?”

“Problema? Nenhum!”, pensei. Mas disse: “Você precisa enfiar direito… o cartão!”

“Ok, mostre-me o ponto, por favor.”

“Ponto? Pode escolher!”, pensei. Mas disse: “Fica lá no meu quarto, em frente à minha cama. Posso fazer uma pergunta pessoal antes de irmos até lá?”

“Pode.”

“Você não é o moço que fazia o comerc…”

“Eu mesmo.”

“E o que você está fazendo na NET?”

“Ah, é uma longa história…”

“Conte-me, por favor!”

“Naquela época, a barba e o coque estavam na moda, assim como os livrinhos para colorir, os food trucks e as paletas mexicanas. Hoje, como você já deve ter notado, nada disso faz sucesso. As moças só querem saber dos caras com pirocas sincronizadas a smartphones e pegada de robô. Você é muito rústico, diziam-me nas entrevistas de emprego. Então, como eu precisava pagar as contas e sustentar a porção de filhos que eu fiz no auge da minha carreira, resolvi tentar a sorte em outro país: mudei-me para a casa de uma tia, no Grajaú. E depois de ser rejeitado em diversos empregos, aceitei trabalhar na NET.

“Mas o salário não é muito ruim?”

“É sim, um lixo! Mas faço alguns serviços por fora.”

“Serviços? Gato?”

“Obrigado!”

“Não, eu perguntei se você faz instalações ilegais. Chamamos esse tipo de serviço de ‘gato’ aqui no Brasil.”

“Não, faço clientes felizes!”

“Ah, é? Interessante! Conte-me mais.”

“Quer que eu conte ou quer que eu mostre?”

“Mostra tudo!” ordenei, e logo senti aquela barba retrô entre as minhas pernas, arrepiando-me da coxa à alma.

E, daquele dia em diante, parei de acreditar no azar. E você, eu sei, nunca mais acreditará em mim. Fazer o quê?

Só sei de uma coisa: a mesma vida que tanto nos fode do jeito errado (que dói sem dar prazer), às vezes, resolve nos foder direito, como uma foda deve ser.

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