Não há coisa no mundo mais forte do que uma lágrima

Era oito de agosto de oitenta e nove quando chorei pela primeira vez. De desgosto, acho. Afinal, deve ser um baita dum choque sair do útero quentinho e escurinho da mamãe pra botar as caras num mundão que acha estranho duas mulheres se beijando na boca no horário nobre e acha normal comer o feijão embaixo do arroz. Não sei qual música era a top 1 no ranking da Billboard. Não sei qual era a capa dos jornais. Não sei qual era o alinhamento das estrelas. Só sei que, às cinco e meia da madrugada de oito de agosto de oitenta e nove, abriu-se uma torneira que ainda não foi fechada. E que talvez seja a principal responsável pela crise hídrica: os meus olhos. Que um dia a terra há de comer. Mas que, até lá, ainda jorrará litros e mais litros do bem que move homens e justifica guerras.

Eu poderia dar uma boa atriz. Daquelas que não precisam de cristal japonês pra interpretar cena de separação, de recebimento de notícia de morte ou de perda de fortuna. Glamour à parte, eu também poderia ser uma boa carpideira. Daquelas que inundam velórios sem mesmo saber cinco minutos da vida pregressa do defunto. Mas não tive visão de negócio, e hoje apenas choro no quarto. No banheiro. Na frente do espelho. No ônibus. No ponto de ônibus. Na fila do SUS. Na fila do banco. No cinema. No sinal vermelho.

A caminho de Marte, eu choro na esperança de que alguém dessalinize minhas lágrimas e as aproveite para criar um tipo de vida um pouco mais tolerante. À democracia, à diferença, à lactose. Aos emotivos incuráveis, inclusive. Do alto de sua solene ignorância, rudes racionais nos chamam de fracos, sem nunca sequer terem percebido que não há gente mais forte do que aquela que externa as próprias mágoas. E que não há coisa no mundo mais forte do que uma lágrima, que com apenas um milímetro cúbico consegue lavar uma alma toda.

Sim, senhores. Eu choro. De prazer, de agonia, de tristeza. De medo. Por antecipação. Por compaixão. Por motivos de: Radiohead, pé na bunda, Clint Eastwood e a inesquecível cena da eutanásia em Menina de Ouro, clientes insuportáveis, erro, acerto, Alice Ruiz, saudade da minha mãe, morte da Elis Regina. Por motivos de livre arbítrio. E da próxima vez que alguém impuser um “menina, engole esse choro!”, eu responderei: “o choro é meu. E é livre. Assim como eu”.

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